Na costa
italiana, uma em cada duas praias é privada. Perante esta situação, os
ativistas mobilizam-se pelo acesso livre e aberto a este bem público. Na
esplanada da Corso Italia, em Gênova, a antiga praia privada de Capo Marina
acaba de ser ‘libertada’ após uma luta de 20 anos.
Em Itália, não
há legislação nacional que limite o número de praias privadas. Por isso, 12.166
concessões partilham quase metade das praias do país. São muitas vezes as mais
bonitas e acessíveis. Os 30 km de costa genovesa seguem a tendência nacional
com 50% das praias autorizadas para banhos que são públicas. Mas em cidades
como Alassio, entre Génova e a fronteira francesa, essa taxa de praias privadas
é perto de 90%. A região da Ligúria detém o recorde de praias privadas (70%),
juntamente com a Campânia (a região de Nápoles) e a Emília-Romanha (na costa do
Adriático).
Para combater esta situação, os ativistas da Conamal estão a pressionar as instituições locais, nacionais e europeias. "Também comunicamos muito nas redes sociais e sensibilizamos, especialmente entre os jovens", explica Stefano Salvetti. Para a ativista, é preciso haver uma mudança cultural. E hábitos. "As pessoas têm de partir do facto de que a praia é um bem público." É uma tarefa difícil, diz ele. Os ativistas da Conamal reivindicam pelo menos 50% das praias públicas de cada cidade litoral. E, para o conseguirem, baseiam-se em parte na Diretiva Europeia de Serviços de 2006, conhecida como Diretiva Bolkestein, que a Itália deverá aplicar a partir de 1 de janeiro de 2024. Nesta data, fixada pelo anterior Governo, todas as concessões balneares deverão cessar e ser sujeitas a concursos transparentes.
Embora o objetivo da diretiva não seja o livre acesso ao litoral, mas sim a abertura do sector à livre concorrência, Stefano Salvetti considera que se trata de uma oportunidade de ouro. "Até agora, se eu conseguisse um pedaço de praia livre, era só no papel porque havia uma concessão à beira-mar que o ocupava e que se perpetuava ad infinitum. Finalmente, com a Diretiva Bolkestein, isso acaba", explica. Com efeito, apesar dos procedimentos sancionatórios, a Itália nunca aplicou esta obrigação europeia. Como resultado, durante décadas, as concessões à beira-mar foram renovadas quase automaticamente, na maioria das vezes para as mesmas famílias e muitas vezes a preços ridiculamente baixos.
O prazo de
2024 também está a causar uma onda de preocupação entre os operadores. Por seu
lado, o Governo de Giorgia Meloni procura demonstrar que as praias gratuitas
disponíveis são suficientes para não terem de se submeter às regras europeias.
"O lóbi
dos estabelecimentos balneares é muito forte e consegue influenciar a política
italiana em detrimento do interesse comum", afirma Vincenzo Lagomarsino,
vice-presidente da associação Italia Nostra e membro da Conamal. O motivo:
"A maioria deles também tem um bar, um restaurante, uma discoteca... São
indústrias que trabalham 24 horas por dia", diz o advogado de 48 anos. E
isso cria empregos. Com o tempo, alguns “empresários consideram a concessão
como sua propriedade", continua. Tanto que no final da época, na Corso
Italia, os balneários "fecham os portões, como se fosse em casa. E as
pessoas já não conseguem aceder à praia", lamenta. "É uma cidade
prisioneira!", interrompe Stefano Salvetti.
Este não é um
caso isolado. Em Ostia, o bairro litoral de Roma, o lungomare (a beira-mar) foi
até rebatizado de lungomuro (o longo muro): impossível ver um pedaço de mar a
partir da esplanada por causa das construções. Além disso, alguns
"estabelecimentos balneares têm utilizado o cimento de uma forma
ambientalmente antiecológica", diz Vincenzo Lagomarsino. E, de fato, nas
praias de Gênova, no meio de guarda-sóis e espreguiçadeiras, pode ver-se
piscinas, campos de futebol ou cais de betão que invadem o mar. Estas
construções contribuem para o fenómeno de betonagem da linha costeira. Todos os
anos, a Itália perde 5 km de costa natural para estruturas artificiais, de
acordo com o Instituto Superior de Proteção e Pesquisa Ambiental (Ispra). Além
de contribuir para o aumento das temperaturas, "cada metro quadrado de
cimento é menos solo para absorver água", explica Vincenzo Lagomarsino. E,
portanto, riscos de inundação. Já para não falar das consequências para os
ecossistemas.
Embora o
quadro para futuros concursos para concessões de praias ainda não tenha sido
definido, os ativistas pedem que os custos ecológicos e sociais sejam tidos em
conta.
A Diretiva Bolkestein tem alguma relação com as concessões de praias em Itália. A UE julga que as autoridades italianas devem aplicar um processo de seleção que garanta a transparência e a igualdade de tratamento dos potenciais candidatos, não podendo estas autorizações ser objeto de renovação automática, nem conferir qualquer vantagem aos prestadores históricos. Porém, esta diretiva aplicada às concessões de praias, sem considerar formas de proteger as empresas, é suscetível de criar uma série de problemas, nomeadamente a entrada de interesses estrangeiros em nome da livre concorrência prejudicial a todos os pequenos e médios empresários italianos.
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