quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Bico calado

  • “Depois de ter sido uma lufada de ar fresco quando, após a eleição do primeiro mandato, se impôs pela cultura, inteligência e simpatia, face ao salazarista que o precedeu em Belém, regressou no segundo mandato a militante partidário e intriguista de serviço. Dentro do PSD foi impiedoso para Rui Rio chegando a receber Paulo Rangel em atitude de desafiadora preferência na véspera de eleições internas, onde passou pela humilhação de ver o seu candidato derrotado. Há dois anos, em plenas eleições autárquicas, por curiosa coincidência, encontrou o candidato do PSD e dos partidos satélites na Feira do Livro de Lisboa. Foi a noite de dar a conhecer Carlos Moedas aos lisboetas, com as televisões atrás, e de lhe dar a ajuda de que precisava. Há um ano, já com o candidato edil, voltou a passeá-lo no mesmo evento e a gabar-lhe o trabalho autárquico que os munícipes desconhecem. Há coincidências e reincidências e, há pouco, apareceram ambos a parasitar o mediatismo papal. As constantes declarações sobre o que o Governo deve fazer ou o que espera que faça, o narcisismo e a sofreguidão do poder perturbam a governação e transferem para Belém o combate partidário que cabe exclusivamente aos partidos. Carlos Esperança, Coimbra Progressista.

  • “Hubert não tem qualquer recordação de Kingston, na Jamaica, onde nasceu; nem sequer a mais ténue das recordações transformadas em nostalgia exótica - o calor, a chuva, o mar, as palmeiras - nada. Toda a sua memória está aqui, nas ruas sujas do norte de Londres, onde anda há mais de meio século - Euston, Clapton, Dalston. Por isso, quando lhe disseram, de repente, quando tinha cerca de cinquenta anos, que não tinha o direito de viver no Reino Unido, foi um choque tremendo. Os pais de Hubert trouxeram-no para Londres em 1960, na esperança de uma vida melhor. Viajou de avião com a mãe, tendo o seu nome sido inscrito no passaporte dela, em bela chancela oficial, por baixo do dela. Isto passou-se dois anos antes da independência da Jamaica, pelo que o passaporte azul-marinho emitido à mãe de Hubert descreve o portador como: 'Súbdito Britânico: Cidadão do Reino Unido e das Colónias', e é idêntico a um passaporte emitido no Reino Unido. Antes da independência, viajar da Jamaica para Londres era de facto considerado uma viagem interna de uma parte do Império Britânico para outra - teoricamente equivalente a ir de Glasgow para Londres. Não havia restrições em matéria de imigração para as pessoas que viajavam das colónias, não era necessário visto e as pessoas que chegavam eram classificadas como 'desembarcadas livremente'. Quem vivesse em qualquer parte do Império Britânico em declínio tinha o direito de viver e trabalhar em qualquer parte dos territórios do Reino Unido e das colónias. A noção de nacionalidade ou cidadania não era discutida. O passaporte da sua mãe tinha um carimbo com um triângulo esbatido em tinta roxa escura e a data de chegada, 15.11.60, acrescentada a esferográfica. Quando, meio século mais tarde, tentou fazer uma viagem de regresso para visitar a sua mãe moribunda, que se tinha aposentado na Jamaica, Hubert foi informado de que precisava de se naturalizar como cidadão britânico antes de poder obter um passaporte. Depois de uma vida inteira na Grã-Bretanha, ficou espantado com os requisitos envolvidos. Pensei que estavam a ser um pouco racistas porque tive de fazer um curso chamado 'Inglês como outra língua'. Então eu disse: 'De que estão a falar? Que língua é que os jamaicanos falam?'" Amelia Gentleman, The Windrush betrayal – Guardian Faber 2019, pp 67-68.

Sem comentários: