Bico calado
- “Depois de ter
sido uma lufada de ar fresco quando, após a eleição do primeiro mandato, se
impôs pela cultura, inteligência e simpatia, face ao salazarista que o precedeu
em Belém, regressou no segundo mandato a militante partidário e intriguista de
serviço. Dentro do PSD foi impiedoso para Rui Rio chegando a receber Paulo
Rangel em atitude de desafiadora preferência na véspera de eleições internas,
onde passou pela humilhação de ver o seu candidato derrotado. Há dois anos, em
plenas eleições autárquicas, por curiosa coincidência, encontrou o candidato do
PSD e dos partidos satélites na Feira do Livro de Lisboa. Foi a noite de dar a
conhecer Carlos Moedas aos lisboetas, com as televisões atrás, e de lhe dar a
ajuda de que precisava. Há um ano, já com o candidato edil, voltou a
passeá-lo no mesmo evento e a gabar-lhe o trabalho autárquico que os munícipes
desconhecem. Há coincidências e reincidências e, há pouco, apareceram ambos a
parasitar o mediatismo papal. As constantes declarações sobre o que o Governo
deve fazer ou o que espera que faça, o narcisismo e a sofreguidão do poder
perturbam a governação e transferem para Belém o combate partidário que cabe
exclusivamente aos partidos. Carlos Esperança, Coimbra Progressista.
- “Hubert não
tem qualquer recordação de Kingston, na Jamaica, onde nasceu; nem sequer a mais
ténue das recordações transformadas em nostalgia exótica - o calor, a chuva, o
mar, as palmeiras - nada. Toda a sua memória está aqui, nas ruas sujas
do norte de Londres, onde anda há mais de meio século - Euston, Clapton,
Dalston. Por isso, quando lhe disseram, de repente, quando tinha cerca de
cinquenta anos, que não tinha o direito de viver no Reino Unido, foi um choque
tremendo. Os pais de
Hubert trouxeram-no para Londres em 1960, na esperança de uma vida melhor.
Viajou de avião com a mãe, tendo o seu nome sido inscrito no passaporte dela,
em bela chancela oficial, por baixo do dela. Isto passou-se dois anos antes da
independência da Jamaica, pelo que o passaporte azul-marinho emitido à mãe de
Hubert descreve o portador como: 'Súbdito Britânico: Cidadão do Reino
Unido e das Colónias', e é idêntico a um passaporte emitido no Reino
Unido. Antes da independência, viajar da Jamaica para Londres era de facto
considerado uma viagem interna de uma parte do Império Britânico para outra -
teoricamente equivalente a ir de Glasgow para Londres. Não havia restrições em
matéria de imigração para as pessoas que viajavam das colónias, não era
necessário visto e as pessoas que chegavam eram classificadas como 'desembarcadas livremente'. Quem vivesse em qualquer parte do Império
Britânico em declínio tinha o direito de viver e trabalhar em qualquer parte
dos territórios do Reino Unido e das colónias. A noção de nacionalidade ou
cidadania não era discutida. O passaporte da sua mãe tinha um carimbo com um
triângulo esbatido em tinta roxa escura e a data de chegada, 15.11.60,
acrescentada a esferográfica. Quando, meio
século mais tarde, tentou fazer uma viagem de regresso para visitar a sua mãe
moribunda, que se tinha aposentado na Jamaica, Hubert foi informado de que
precisava de se naturalizar como cidadão britânico antes de poder obter um
passaporte. Depois de uma vida inteira na Grã-Bretanha, ficou espantado com os
requisitos envolvidos. Pensei que estavam a ser um pouco racistas porque
tive de fazer um curso chamado 'Inglês como outra língua'. Então eu
disse: 'De que estão a falar? Que língua é que os jamaicanos
falam?'" Amelia Gentleman, The Windrush betrayal – Guardian Faber
2019, pp 67-68.
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