A eliminação pelo Japão das águas residuais da central nuclear de Fukushima é uma questão que diz respeito ao ambiente marinho global e à saúde pública - não é um assunto privado e doméstico. A insistência de Tóquio em avançar com planos para descarregar essas águas residuais radioativas no mar, ignorando as preocupações internacionais - e os protestos dos japoneses - tem atraído críticas de que Tóquio está a espezinhar de forma egoísta e prejudicial as suas obrigações ao abrigo do direito internacional, uma acusação que nega. Mas à medida que as preocupações e as condenações aumentam, há algumas questões sérias a que o governo japonês deve responder.
Primeira questão: as águas residuais são de facto inofensivas? O governo japonês tem falado da segurança das águas residuais, uma vez devidamente tratadas, e prefere referir-se a elas como "água tratada", possivelmente para as demarcar de qualquer dano potencial aos olhos do público. De facto, as águas residuais utilizadas para arrefecer diretamente o núcleo do reator que derreteu no acidente nuclear de há 12 anos contêm mais de 60 radionuclídeos que requerem um tratamento cuidadoso e extensivo. Se se permitir que os radionuclídeos nocivos de longa duração se espalhem com as correntes oceânicas, os danos para o ambiente marinho e para a saúde humana serão incalculáveis. No início deste mês, com base num relatório do operador da central de Fukushima, a Tokyo Electric Power Company (Tepco), a China Global Television Network (CGTN) concluiu que os peixes capturados no porto da central nuclear falida continham níveis de césio radioativo 180 vezes superiores aos da norma legal japonesa. Se as águas residuais tratadas são realmente seguras e completamente inofensivas, porque não as descarregam diretamente nas costas japonesas? Porquê dar-se ao trabalho de construir um túnel no fundo do mar para a libertar?
Segunda pergunta: qual é o grau de fiabilidade do sistema avançado de tratamento de líquidos do Japão (ALPS)? Nos últimos anos, tem havido relatos de filtros de ar defeituosos ligados ao equipamento de tratamento de água, que são fundamentais para evitar a poluição radiativa. A central também tem lutado contra fugas de água. Dados da Tepco divulgados em 2022 mostraram que, devido a problemas nas instalações, a concentração de radionuclídeos em mais de 70% da água tratada armazenada em tanques excedia as normas regulamentares para descarga. Em resposta, a Tepco comprometeu-se a repetir o processo de purificação "tantas vezes quantas as necessárias". Os críticos acusaram o Japão de não ter elaborado um plano de controlo sistemático e exaustivo das descargas de águas residuais tratadas no mar, o que dificultou a deteção atempada de anomalias como as descargas excessivas. Em resposta, a Tepco pediu à Agência Internacional da Energia Atómica (AIEA) que analisasse a segurança do seu plano. Ainda em abril, o antigo primeiro-ministro Yukio Hatoyama advertiu que as águas residuais não deveriam ser descarregadas no mar até que a tecnologia de tratamento fosse melhorada.
Terceira questão: a descarga no mar é a única opção? Os peritos japoneses propuseram várias opções, incluindo a evaporação das águas residuais para a atmosfera, a sua injeção em camadas profundas da geosfera e o seu enterramento no subsolo. A descarga no mar não é, de modo algum, a solução ideal, mas apenas, ao que parece, a mais económica. Peritos independentes salientaram igualmente que a descarga no mar não é nem a melhor opção técnica nem uma escolha ética. Ao insistir nesta opção, parece-me que o Japão está a ser extremamente egoísta e irresponsável, não só ameaçando a saúde e a segurança de toda a humanidade, mas também prejudicando a sua própria credibilidade no processo.
Quarta questão: o Japão cumpriu plenamente as suas obrigações internacionais? Segundo o direito internacional e a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, o Japão é obrigado a proteger e preservar o ambiente marinho, tomando todas as medidas necessárias para garantir que as suas atividades não causem poluição a outros países e ao seu ambiente, através, por exemplo, de uma investigação, avaliação e monitorização completas de qualquer impacto ambiental. Os vizinhos do Japão, incluindo a China, a Rússia e várias nações insulares do Pacífico, manifestaram a sua preocupação com o plano de descarga. No passado mês de abril, uma sondagem global realizada pelo CGTN Think Tank revelou que mais de 90% dos inquiridos não confiavam nas declarações do Governo japonês ou da Tepco, tendo 86% criticado a forma como o Japão lidou com as águas residuais de Fukushima, considerando-a pouco científica, aberta e transparente.
Quinta questão: o Japão demonstrou sinceridade para com as partes interessadas e a comunidade internacional? O Japão aprovou formalmente o plano de descarga marítima em julho de 2022 e, desde então, declarou que não o iria adiar. Esta teimosia sugere-me que o Japão nunca se envolveu verdadeiramente em consultas de boa vontade com as partes interessadas nem atribuiu grande importância ao papel de organizações internacionais como a AIEA. Se o Japão for sincero quanto à resolução das preocupações e do descontentamento em torno do seu plano de descarga, deve promover conversações sem resultados pré-determinados, aceitar uma supervisão razoável das partes interessadas e de outras instituições internacionais relevantes, e trabalhar para aumentar a confiança e dissipar as dúvidas com mais factos e dados.
O oceano é o tesouro de toda a humanidade - não o esgoto do Japão. O Japão deve procurar cumprir fielmente todas as suas obrigações internacionais, abordar seriamente as preocupações de todas as partes, deixar de promover o plano de descarga no mar, eliminar efetivamente as águas residuais de Fukushima de uma forma científica, segura e transparente e aceitar a supervisão internacional para minimizar o impacto das consequências do acidente nuclear de Fukushima nas gerações futuras. Veremos se Tóquio demonstrará um maior sentido de responsabilidade perante a comunidade internacional.
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