Quem não poupa
água e lenha, não poupa nada do que tenha. Este dizer é uma forma
popular de avisar as pessoas para a necessidade de usar a água de forma
sustentável, foi provavelmente criado por alguém que tinha a noção empírica de
sustentabilidade sem conhecer a palavra “sustentável”.
O problema da escassez de água no Sul de Portugal e da
Península Ibérica é uma calamidade penosa que deriva da descontrolada expansão
das culturas em regadio intensivo e campos de golf. Em zonas onde o clima é
caracterizado por baixa quantidade de chuva, a atividade Humana dependente da
disponibilidade de água tem de ser planeada para os valores mínimos de
precipitação e não para a média.
O uso sustentável da água tem de começar pelo
licenciamento prudente dos usos da terra. Porém, o que assistimos é à aprovação
incessante, de forma danosa para os interesses do país, de vastas áreas de
regadio e outras atividades de que implicam enorme consumo de água. As
corporações que buscam o sul de Portugal para instalar atividades depredadoras
de água são movidas pela voracidade do lucro. De per se nenhuma empresa vai
pautar os seus investimentos pelo uso sustentável da água, impor contenção é da
responsabilidade das autoridades que têm a tutela do assunto.
As empresas privadas têm conseguido expandir as áreas de
culturas regadas aos milhares de hectares. Ao invés da agricultura que se baseia em uso sustentável da água, esta agricultura intensiva gera lucros enormes,
rápidos e fáceis e é feita em exploração do tipo mineira. Quando os recursos da
água e do solo se esgotam abandonam essa zona e reiniciam o ciclo noutro sítio
ou noutro país qualquer.
Entre as culturas intensivas de regadio destacam-se a
produção de frutas e legumes em estufa. No Mediterrâneo o pináculo é atingido
nas imensas áreas de estufas em Almeria, de tal maneira imensas que tomaram o
epiteto de “mar de plástico”. Até à década de 1950 na zona dominava a vegetação
rasteira, as pastagens e algumas pequenas parcelas para cultivo sazonal. Em
Portugal está a desenrolar-se um cenário idêntico com as estufas em Odemira.
Mas o processo está a expandir-se a outras zonas do país.
O consumo insustentável da água vai muito para além das
estufas. A milenar oliveira, tão respeitada pela sua frugalidade, pela
capacidade de crescer e dar azeitona em montes e serras de solos esqueléticos
pedregosos com escassa chuva e estios abrasadores, está a ficar irreconhecível.
Está trasvestida numa cultura agrícola intensiva em regadio, onde já não
existem as majestosas e centenárias árvores, mas umas moitas grotescas amontoadas
em linhas, ridiculamente atarracadas que têm vida económica curta. Mas não é
apenas a oliveira. Ao cortejo juntam-se outras espécies cultivadas em sequeiro
há séculos e louvadas pela sua resistência como a vinha e a amendoeira. E já se
fazem experiências-piloto para sobreiro com rega gota-a-gota.
A indústria (incluindo a geração de energia) é
responsável por 19% do consumo de água e as famílias por 12%, todo o restante é
consumido pelo sector agrícola (fonte (1)).
Por baixo desses milhares de “árvores” transformadas em
sebes a poder de máquinas consumidoras de combustível, estão quilómetros de
tubos de plástico com goteiras que drenam incontáveis metros cúbicos das
albufeiras que só têm a água da chuva como fonte de alimentação. Para agravar a
escassez estival de água, muitas albufeiras têm as margens plantadas com
eucalipto, uma árvore que a evolução natural dotou com uma fisiologia e
arquitetura de raízes capaz de ir buscar água a profundidades sem par nas
espécies mediterrânicas autóctones. As barragens do Alentejo e do Algarve foram
construídas para complemento das culturas de sequeiro. As que nos anos recentes
exibem mais problemas situam-se nos cursos dos rios Sado, Mira, Odelouca, Arade
e afluentes terminais do Guadiana. Todos estes cursos de água nascem nas serras
do Algarve que estão cobertas em grandes extensões por eucalipto que
substituíram o sobreiro, as pastagens de sequeiro e outros usos seculares
dessas terras.
Os ciclos de chuva excelente e seca sempre existiram.
Acontecem de forma errática e fazem parte da normalidade do clima de cada
região. Viver com a média é bastante acessível, o engenho está em saber viver
com os mínimos. Mas não há nenhuma
técnica, por mais sofisticada, que permita gastar mais água do que a que as
albufeiras podem armazenar com a precipitação que os céus nos oferecem.”
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