A exportação
de produtos em segunda mão da Europa para África tem potencial para trazer
benefícios significativos para ambas as regiões. O comércio de bens usados
oferece às economias da UE uma porta de entrada para os mercados mundiais,
promove a reutilização e ajuda a reduzir o consumo de recursos ao prolongar a
vida útil dos produtos. Ao mesmo tempo, se os produtos exportados estiverem em
boas condições e não constituírem exportações ilegais de resíduos, as economias
emergentes de África beneficiam de um maior acesso a produtos mais baratos.
No entanto, os
países receptores são muitas vezes deixados a tratar da fase de fim de vida dos
bens usados importados sem apoio adequado, uma vez que estes se transformam
inevitavelmente em resíduos. Além disso, os produtos enviados para reutilização
são, por vezes, não funcionais ou têm um caráter de desperdício. Esta situação
pode criar impactos sociais e ambientais negativos que correm o risco de
ultrapassar os benefícios do comércio em segunda mão.
Uma possível solução
para este problema reside nas taxas de Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP),
uma contribuição paga pelos produtores para ajudar a suportar os custos de
gestão dos resíduos dos produtos, incluindo o financiamento de infra-estruturas
adequadas de recolha e tratamento. Desde a sua introdução no final da década de
1990, os regimes de RAP têm sido um instrumento fundamental para promover um
processo sólido de gestão de resíduos. Além disso, os regimes RAP podem apoiar
a transição para uma economia circular, responsabilizando os produtores pelo
fim de vida dos seus produtos, incentivando a concepção circular e financiando
a criação de infra-estruturas de gestão de resíduos.
Os regimes RAP
são aplicados em toda a UE a uma série de produtos, incluindo dispositivos elétricos
e eletrónicos, baterias, embalagens e, em certa medida, veículos. Os regimes
nacionais podem também abranger outros fluxos de produtos, como os têxteis. Os
sistemas RAP estão também a estender-se cada vez mais ao Sudeste Asiático e a
África, mas a sua aplicação à escala mundial é ainda fragmentada e não está
alinhada com os fluxos de comércio internacional.
Por exemplo,
quando os bens em segunda mão atravessam as fronteiras fora da UE, as taxas RAP
associadas são muitas vezes retidas nos países exportadores. Este facto priva
os países importadores do apoio financeiro adequado para gerir os produtos
quando estes chegam inevitavelmente ao fim da sua vida útil e precisam de ser
recolhidos, desmontados, reparados, descontaminados, reciclados ou finalmente
eliminados.
Um novo estudo sobre as exportações de produtos eletrónicos e veículos usados da UE para África estima que, todos os anos, as economias africanas perdem 340 a 380 milhões de euros em taxas RAP associadas aos produtos eletrónicos em segunda mão e 294,6 a 409,4 milhões de euros em taxas RAP relativas a veículos em segunda mão. Estas estimativas são conservadoras, nomeadamente porque os dados sobre as transferências para reutilização não são devidamente captados e diferenciados das exportações de resíduos.
O facto de um
montante significativo das taxas RAP ser retido na Europa, apesar de os
produtos associados serem transferidos para reutilização em países terceiros,
exerce uma pressão adicional sobre as economias de recepção já em dificuldades,
onde os recursos financeiros para a recolha, renovação e reciclagem são
limitados e a deposição informal em aterro e a incineração são comuns.
Como as
contribuições para o RAP são internalizadas no preço final dos produtos
abrangidos pelos regimes, são os consumidores que, em última análise, pagam as
taxas. Em contrapartida, os consumidores e os produtores podem esperar uma boa
gestão dos resíduos dos artigos que são doados para reutilização ou deitados
fora nos pontos de recolha, independentemente do local onde é efetuado o
tratamento em fim de vida. No entanto, se estas contribuições forem retidas na
UE quando os produtos em segunda mão são enviados para o estrangeiro, as
obrigações de gestão de resíduos estão a ser delegadas de forma injusta. Isto
implica que se espera que os países fora da UE gerem os resíduos de forma
semelhante à da UE, mas sem o apoio financeiro crucial necessário para essas
tarefas.
Além disso, o
estudo salienta o facto de a questão da equidade estar intimamente ligada à
transparência. Sem informações exatas sobre que produtos são legitimamente
exportados para reutilização e sem resolver o problema das alegações falsas e
ilegais de reutilização para contrabandear resíduos, não podemos resolver e
rectificar eficazmente a situação.
Não é fácil rectificar
esta situação, sendo fundamental consultar as autoridades locais e outros
actores relevantes nos países receptores de modo a evitar cair em soluções
contraproducentes. Por exemplo, proibir todas as exportações ou importações
para reutilização significaria privar as economias receptoras de oportunidades
de emprego e desenvolvimento, ao mesmo tempo que se perde a oportunidade de
poupar recursos ao negar uma segunda vida a produtos que ainda estão
funcionais.
No Gana,
importadores e comerciantes saíram à rua para protestar contra uma proibição
governamental de importação de resíduos eletrónicos e elétricos, proposta com o
objetivo de reduzir os riscos ambientais causados pelos resíduos eletrónicos e
promover a utilização de dispositivos mais eficientes do ponto de vista
energético, mas que teria um custo elevado para a cadeia de valor da
reutilização.
Ao mesmo
tempo, o estudo de caso da Footprints Africa sobre a indústria de automóveis
usados importados na Nigéria mostra como ela desempenha um papel fundamental na
disponibilização de veículos funcionais e a preços acessíveis aos consumidores.
Para começar a
enfrentar os desafios relacionados com a transferência das taxas RAP para os
artigos enviados para reutilização fora da UE, os investigadores e os ativistas
ambientais recomendam que se melhore a monitorização dos envios internacionais
para reutilização e se reforce o diálogo com as economias receptoras.
O reforço do
sistema de monitorização das transferências legais de bens reutilizados é
crucial para ajudar a detectar falsas transferências para reutilização com o
objectivo de fugir às obrigações de gestão de resíduos. Além disso, é essencial
explorar o destino das taxas de Responsabilidade Alargada do Produtor (RAP)
para garantir que acompanham os produtos reutilizados legalmente exportados. A
implementação de um sistema digital para rastrear e divulgar todas as
transferências de resíduos de e para a UE também pode ajudar neste processo, se
incluir as transferências para reutilização.
Ao mesmo
tempo, o estabelecimento de um diálogo efectivo com as economias receptoras
pode facilitar a aplicação de sistemas locais de responsabilidade ambiental dos
resíduos, garantindo que as taxas associadas aos produtos enviados para
reutilização apoiem uma gestão adequada dos resíduos. Em vez de proibir totalmente
a exportação ou importação de produtos em segunda mão, uma abordagem mais
prudente consistiria em impor condições mais rigorosas para a exportação e
importação de bens para reutilização. Estas condições deveriam incluir a
criação de sistemas independentes capazes de administrar as taxas associadas a
estes produtos.
É fundamental mudar os sistemas de RAP de uma perspetiva centrada nos materiais a granel para uma perspetiva centrada nos produtos, especialmente para os produtos que contêm materiais críticos como a eletrónica, os veículos e as baterias. Ao tratar cada produto como um reservatório de materiais valiosos, podemos dar prioridade à reparação, à desmontagem para recolha de peças e à recuperação de matérias-primas críticas, em vez de enviar recursos preciosos para a trituração a granel.
Stéphane Arditi, Marco Musso e Roberta Arbinolo, EEB.
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