As propostas de geoengenharia dos ecossistemas marinhos, quer sejam apresentadas com o objetivo de combater as alterações climáticas, aumentar as pescas ou mesmo restaurar os ecossistemas, têm suscitado preocupações entre os cientistas desde que foram concebidas. O termo "geoengenharia marinha" abrange um conjunto diversificado de ideias, que vão desde propostas para alterar a química dos oceanos em grande escala, passando por esquemas para alterar os padrões de circulação, até às tentativas de refletir mais luz solar da superfície do oceano ou das nuvens que o cobrem. O que todas elas partilham é a noção de que podemos manipular deliberadamente os sistemas naturais, já sob pressão das atividades humanas, com a intenção de criar "benefícios" para a sociedade. Nesse esforço, o que muitas vezes se perde é a noção de que os nossos oceanos são sistemas vivos complexos e delicadamente equilibrados, e não simples volumes de água em que podemos "afinar" previsivelmente a física, a química ou a biologia para os nossos próprios fins.
Talvez o conceito de geoengenharia marinha mais conhecido e mais investigado seja a fertilização dos oceanos, a ideia de que, adicionando ferro ou outros nutrientes às águas superficiais, podemos estimular o crescimento de pequenas algas (fitoplâncton) que absorverão mais dióxido de carbono da atmosfera e transportarão uma parte desse dióxido para as profundezas do mar quando se afundarem e morrerem. Como ideia, parece simples e apelativa. A realidade é tudo menos isso. Experiências em pequena escala realizadas desde os anos 90 revelaram que, embora seja inegavelmente possível aumentar o crescimento dasalgas à superfície do oceano através da adição de ferro, a certeza acaba aqui.
Nalguns casos, a adição artificial de nutrientes pode provocar mudanças fundamentais nas espécies de algas, com potencial para alterar toda a cadeia alimentar que estas suportam, desde os mais pequenos invertebrados até às grandes baleias. Simultaneamente, as provas de que estes "florescimentos" artificiais podem fixar significativamente mais carbono nas profundezas do oceano sãoescassas ou inexistentes.
Na sua
essência, é um conceito que se insere no domínio das reivindicações não
verificáveis e dos danos potencialmente irreversíveis.
O que durante décadas foi, em grande parte, um debate académico, tornou-se uma questão de grave preocupação há pouco mais de 10 anos, quando várias empresas privadas anunciaram planos para realizar "experiências" de fertilização oceânica em grandes áreas do oceano aberto, em alguns casos diretamente ligadas a mercados comerciais de créditos de carbono. Em 2007, no âmbito de um organismo internacional responsável pela prevenção da poluição marinha (o Protocolo de Londres), os governos de todo o mundo emitiram uma "declaração de preocupação" formal sobre as possíveis implicações da fertilização deliberada dos oceanos. Alertaram para o potencial de proliferação de algas nocivas, perda de oxigénio em águas mais profundas, maior libertação de outros gases com efeito de estufa e efeitos no fornecimento de nutrientes e na saúde dos ecossistemas, mesmo a jusante das áreas fertilizadas. No ano seguinte, esses mesmos governos concordaram que a fertilização dos oceanos não deveria ser permitida, a não ser para "investigação científica legítima" rigorosamente controlada, e desde então têm-se concentrado em regular outras atividades de geoengenharia marinha à medida que vão surgindo.
E vão emergir.
Já há propostas para semear nuvens oceânicas com sprays de água do mar, bombear
artificialmente águas profundas ricas em nutrientes para a superfície em grande
escala ou mesmo cobrir a água do mar com espumas e o gelo marinho com pequenas
esferas de vidro, numa tentativa de os tornar mais refletores. Um relatório de um
grupo de peritos científicos criado no âmbito das Nações Unidas (GESAMP)
cataloga 27 técnicas diferentes de geoengenharia marinha e apela a uma
abordagem de precaução na sua avaliação e regulamentação.
A chave para
enfrentar as alterações climáticas não está no mar, mas em cortes profundos e
urgentes na fonte das emissões de gases com efeito de estufa. O facto de
estarem a ser contempladas manipulações do ambiente em grande escala serve para
sublinhar essa urgência. Os nossos oceanos e mares costeiros são um elemento
vital do ciclo do carbono e desempenham, inquestionavelmente, um papel
fundamental na manutenção do carbono fora da atmosfera, mas fazem-no melhor
quando os protegemos e permitimos que recuperem e floresçam naturalmente, em
vez de tentarmos vergá-los à nossa vontade através da lógica fria da
geoengenharia.
David Santillo, One Earth.
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