Bico calado

• «(...) Ninguém ficará indiferente à foto. Documenta o velório de Salazar, abrilhantado por Gabriel Monjane, o Gigante de Manjacaze, um negro moçambicano cuja desregulação hormonal o fizera crescer até aos 2,45 metros, com os horríveis padecimentos do gigantismo, e o anão de Arcozelo, o seu parceiro do circo que os exibia como “o homem mais alto do mundo e o mais baixo”. Quem terá requisitado ao circo os dois infelizes para as cerimónias fúnebres de Salazar? O SNI, a União Nacional, a Legião, a Pide, o ministro do Interior? Ignoro a origem da adjudicação que transformou a cerimónia fúnebre num espetáculo de circo.  O ditador, em início de defunção, merecia uma sonora gargalhada de alívio, mas a Pide estava lá, a guardar o morto que não fugia.» Carlos Esperança.

• O governo do Qatar gastou quase £440.000 a apaparicar deputados britânicos na década que antecedeu o Campeonato do Mundo. Nos últimos dez anos, 63 deputados fizeram pelo menos 78 viagens ao Qatar, financiadas pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros do país, a Fundação Qatar ou a sua embaixada em Londres, incluindo 15 viagens que custaram quase £76.000 em 2022 e 23 viagens que custaram mais de £173.000 em 2021., meals and internal travel. Jenna Corderoy, Open Democracy.

• Em 21 de novembro de 1973, a seleção de futebol chilena venceu um jogo de apuramento para o mundial de 1974. A vitória deveu-se à ausência da seleção soviética em protesto pelo facto de o jogo se realizar num campo usado como campo de concentração de oposicionistas ao regime de Pinochet, vencedor do golpe de estado de 11 de setembro. Mais tarde, no seu primeiro jogo do Campeonato do Mundo após os playoffs, a seleção chilena enfrentou jogou no Estádio Olímpico de Berlim. Durante o jogo, os manifestantes desfraldaram panos que diziam “Chile sim, Junta não”.

• A guerra na Ucrânia e os chamados "Acordos de Abraham" têm sido um grande impulso para os fabricantes de armas israelitas. As exportações militares e de segurança aumentaram em 30% em relação aos números dos anos anteriores. Novos contratos em 2021 totalizaram 11,3 mil milhões de dólares, contra 8,6 mil milhões de dólares em 2020. MEM.

• «(...) Em reação a esses bombardeamentos, o Diretor-geral da Agência Internacional de Energia Atómica pediu o fim imediato do bombardeamento dessa central. A única coisa que ele não especificou foi a quem essa mensagem era endereçada. Parece que não resta óbvio para toda a gente que os militares russos não se estão a bombardear a si próprios, ou que a democracia ocidental está a ser completamente censurada, já que não pode ser abertamente nomeado o destinatário de tais apelos. (...)» Major General Raúl Luís Cunha.

• Uma em cada cinco crianças francesas vive abaixo do limiar da pobreza, adverte a UNICEF. Davide Basso, EURACTIV.

• "À medida que o sofrimento incalculável se desdobrava no deserto, longe do alcance dos media e dos olhos liberais curiosos, o Iraque tornou-se um campo de jogos para testes de armas. Em finais de 1922, a Aeronáutica de Londres divulgou um memorando "Forms of Frightfulness" no qual considerava bombas de fumo, dardos aéreos, gás lacrimogéneo, bombas de fósforo, foguetes de guerra, bombas de "acção" de longa duração, munições tracejantes, bombas de estilhaços anti-homem, fogo "líquido" (o precursor do napalm) e petróleo bruto para poluir os abastecimentos de água. O ministério implementou algumas destas opções. Na altura, os funcionários sabiam que o gás mostarda causava, no mínimo, "feridas muito dolorosas" e outros problemas físicos. Tais consequências pouco importavam para o brigadeiro-general da Aeronáutica: "Penso que para um determinado peso de transporte de aviões bombas altamente explosivas ou bombas de estilhaços são superiores a qualquer outra empresa [sic] de terror, excepto o gás. Se o gás mostarda puder ser aceite para este tipo de guerra selvagem, deverá revelar-se mais eficiente do que qualquer outra forma conhecida de terror. Um ano antes, Churchill afirmara que estava "pronto a autorizar a construção imediata de bombas [de gás]". Os políticos britânicos preferiam o gás, embora a RAF tenha registado mais de quatro mil horas de missões, lançando quase cem toneladas de bombas e disparando cerca de duzentas mil balas. No final de 1924, o Marechal da Força Aérea John Salmond, o comandante no Iraque, entusiasmou-se "com o facto de os aviões alcançarem o seu resultado pelo seu efeito no moral, e pelos danos materiais que causam, e pela interferência que causam na rotina diária da vida e não através da inflição de baixas". Os efeitos a longo prazo, como sugeria o relatório Salmond, de danificar culturas, envenenar poços, e destruir abastecimentos de combustível e gado significava que as populações estavam a morrer à fome por falta de alimentos e a morrer por exposição.» Caroline Elkins, Legacy of Violence – a History of the British Empire. The Bodley Head/Penguin 2022, p 170.