sexta-feira, 13 de maio de 2022

Reflexão - Medidas para mitigar o aumento de preços nos combustíveis terão custado aos contribuintes portugueses 700 milhões de euros em apenas 8 meses

As medidas para mitigar o aumento de preços nos combustíveis terão custado aos contribuintes portugueses 700 milhões de euros em apenas 8 meses. Esta é uma oportunidade perdida para investir em opções de mobilidade mais eficientes e sustentáveis, como os transportes públicos e os modos activos, reduzindo a dependência dos combustíveis fósseis.

O custo com dois dias de redução do ISP seria suficiente para um primeiro ano de um programa nacional bike-to-work e seis dias de redução do ISP permitiram aplicar a taxa reduzida de IVA de 6% a bicicletas durante um ano inteiro, por exemplo.

Face ao aumento dos preços dos combustíveis fósseis, o Parlamento Português aprovou, em Abril, uma nova lei que dá margem ao Governo para reduzir o imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), até ao final do ano. No início de Maio, o Governo baixou o ISP no equivalente a uma redução do IVA de 23% para 13%. Esta medida custará mais de 80 milhões de euros por mês aos cofres do Estado.

De Novembro a Junho, entre reduções de impostos, subsídios e impostos que se deixaram de cobrar na área dos combustíveis, terão sido 700 milhões de euros, anunciou há dias o Governo. São praticamente 100 milhões de euros por mês que as medidas para mitigar o aumento do preço dos combustíveis fósseis custam aos contribuintes portugueses. Possivelmente, chegaremos ao final do ano com um montante equivalente ao orçamento de 2022 do Fundo Ambiental destinado a subsidiar os custos dos combustíveis fósseis.

Uma parte destas verbas é absorvida pelas empresas petrolíferas e não chega sequer aos consumidores portugueses. Em acréscimo, as medidas são altamente inequitativas do ponto de vista social. Segundo a ONG Transport & Environment, dos 334 milhões de euros de redução de impostos sobre combustíveis em Portugal entre Novembro e Fevereiro, 103 milhões foram benefício dos 10% da população com maior poder económico, oito vezes mais que os 10% mais pobres, que só beneficiaram em 13 milhões. Os condutores com maiores recursos económicos consomem, em média, mais combustível – conduzem mais, muitas vezes sozinhos e com veículos de maior potência e mais poluentes. Enquanto isso, as pessoas que usam transportes públicos não recebem nada.

Esta é uma oportunidade perdida para dirigir mais investimentos à mobilidade sustentável e descarbonizar o sistema de transportes. Para que tal aconteça, teremos que reduzir drasticamente o uso de combustíveis fósseis em vez de continuar a encorajar o seu consumo. Metade das deslocações nas duas áreas metropolitanas são inferiores a 5 km, e muitas delas poderiam ser feitas a pé ou de bicicleta, se os ambientes urbanos fossem seguros e confortáveis para estes modos.

Contudo, na proposta de Orçamento do Estado para 2022, o Governo destinou somente 400 mil euros para a Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2030. O custo que o Estado suporta com um dia de redução do ISP (2.7 milhões) é, assim, sete vezes superior ao investimento previsto para um ano inteiro na ENMAC 2020-2030. Em comparação, a República da Irlanda, com metade da população portuguesa, investe diariamente 1 milhão de euros (360 milhões por ano) na mobilidade activa. Dito de outra forma, a Irlanda destinou para a mobilidade activa 1500 vezes mais dinheiro do que Portugal, per capita. E, nos próximos meses, o Governo português destinará cerca de 2500 vezes mais a compensar as perdas fiscais dos combustíveis fósseis do que investirá na mobilidade activa. Se adicionarmos a estes números absurdos os custos sociais e ambientais (as chamadas externalidades) dos combustíveis fósseis e do uso excessivo do automóvel, concluímos que esta não é uma forma responsável de pensar o futuro.

Dois dias de redução do ISP seriam suficientes para um primeiro ano de um programa nacional bike-to-work, como existem em muitos outros países europeus, que recompensasse financeiramente as pessoas que se deslocam para o trabalho em bicicleta em vez de carro. O mesmo custo de seis dias de redução ISP permitiria baixar o IVA nas bicicletas de 23% para a taxa reduzida de 6% ao longo de um ano.

A Agência Internacional da Energia publicou recentemente um relatório em que aconselha os governos de todo o mundo a adoptarem medidas para a redução do consumo de combustíveis fósseis. A eficiência energética e a redução do consumo são a “Arábia Saudita da Europa”. Promover modos sustentáveis, como recomendamos no nosso Manifesto “Mudar a mobilidade urbana: do discurso à acção política”, é e será um elemento-chave para reduzir a nossa dependência dos combustíveis fósseis. Ao mesmo tempo, estaremos a contribuir para os objectivos climáticos, a reduzir os custos dos congestionamentos de trânsito nas cidades e a melhorar a saúde pública e a qualidade de vida urbana. Mas também se conclui que políticas de incentivo ao uso de modos sustentáveis estarão votadas ao fracasso se, em simultâneo, continuarmos a subsidiar, com o dinheiro de todos, as deslocações em automóveis.

Portugal terá de reduzir até ao final da década as emissões em pelo menos 55%, face a valores de 2005. Contudo, somos o segundo país da União Europeia que mais usa o automóvel e o sector dos transportes é desde 2019 o sector com maior peso (28%) nas emissões do país, tendo as emissões dos transportes em Portugal aumentado 60% em relação a 1990.

Os elevados encargos para os contribuintes e as famílias portuguesas do custo dos combustíveis resultam, em larga medida, da inércia dos sucessivos governos em proporcionar às pessoas alternativas de transporte mais eficientes, económicas e sustentáveis. Por razões geopolíticas ou pela necessidade de redução de emissões, o preço dos combustíveis fósseis tenderá a aumentar nos próximos anos, e, se continuarmos a repetir os mesmos erros, estaremos a exacerbar os problemas e a aumentar as desigualdades sociais.

Rui Igreja / MUBi - NA.

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