«(…) Os meios de comunicação ocidentais estão numa
situação tão pobre e os seus jornalistas tão pouco qualificados, que é de
esperar, mais do que nunca, um belicismo. As notícias falsas têm realmente
tomado conta do domínio à medida que os artistinhas se acotovelam para se
sobreporem uns aos outros nas manchetes mais recentes e, ao fazê-lo, agitam de
facto o ambiente para que o sistema político fique viciado na cobertura
mediática, de tal forma que tacitamente se aproxima da zona de guerra.
Se observarmos a cobertura da crise da Ucrânia feita
pelos media britânicos, vemos que poucos jornalistas estão interessados em dar
ao lado russo o direito de responder à narrativa de que Putin vai invadir a
Ucrânia com base numa provocação encenada. O jornalismo desleixado é espantoso.
O jornal Sun, sem dúvida o tablóide mais popular da Grã-Bretanha, que é talvez
o pai fundador de notícias falsas dos anos 80, nunca deixa que a verdade se
interponha no caminho de uma boa estória. Em 15 de fevereiro, declarou numa
peça estrondosa que as tropas russas invadiriam a Ucrânia no dia seguinte com
200.000 soldados e uma barragem de mísseis – notícia atribuída, naturalmente, a
relatórios dos serviços secretos norte-americanos. Quando os jornalistas são
cúmplices de notícias de cuja veracidade duvidam, são pelo menos obrigados a
contextualizar a estória. A menos, claro, que sejam simplesmente ignorantes e
estejam apenas ansiosos por obter uma manchete sexy e alimentar a máquina de
clickbait. Infelizmente, este último cenário é o que está a conduzir a maioria
das agendas das redações dos media ocidentais, uma vez que os jornalistas de
hoje não são mais do que estenógrafos sentados numa máquina e à espera de
instruções.
O atual situação dos media ocidentais é tão pobre que a
maioria dos jornalistas nas redações britânicas que escrevem sobre a crise da
Ucrânia nem sequer fazem a mínima ideia das nuances da história e estão apenas
preparados para escrever qualquer lixo que lhes seja entregue, sendo os
relatórios dos serviços secretos dos EUA o combustível ideal para essas
notícias que nem sequer são verificadas. Vimos exatamente o mesmo cenário que
se desenrolou durante anos em Londres com jornalistas a cobrir a Síria, que se
contentaram em apenas escrever relatórios factuais sobre os ataques com armas
químicas de Assad alegadamente contra o seu próprio povo - baseados em nada
mais do que dados fornecidos pelos governos ocidentais e notícias falsas
geradas nos media - apenas para serem responsabilizados anos mais tarde por um
escândalo na entidade reguladora de armas que denunciou essas reportagens como totalmente
erradas e fabricadas por agências de informação ocidentais que as levaram a
cabo, apoiadas por atores que forneceram filmagens de vídeo encenadas à BBC.
Vai acontecer o mesmo com a guerra da Ucrânia? Já está a acontecer. Putin foi demonizado a tal ponto que nem um dos chamados jornalistas da linha da frente acampados na Ucrânia deseja penetrar nas duas regiões controladas por "separatistas russos" e fazer algumas investigações segundo o velho estilo. É com frequência que vemos gigantes britânicos dos media, como a Sky, lançar alegados especialistas anti-russos para fazerem reportagens e interpretarem a situação sempre de modo a retratar a Rússia como o inimigo, porque isso é manejável e todos na redação podem trabalhar o material uma vez que não põe em causa o que o seu próprio governo está a injetar para o mundo do jornalismo de call center e que hoje conhecemos como ‘os grandes media de referência’.
Putin até tem sorte. (…) A ignorância do Ocidente em
relação à crise da Ucrânia funciona bem nestes tempos de crise. Biden, que
anunciou recentemente pela segunda vez que estava confiante que Putin estava
prestes a invadir, começa a parecer ainda mais estúpido e desinformado do que
nunca. E isso é fantástico.
Mas a verdade é que os líderes de terceira categoria que
elegemos devido à falta de confiança no sistema estão a desiludir os eleitores
ocidentais nas suas políticas e a lutar pelas suas vidas políticas. É por isso
que é preciso falar de uma guerra na Ucrânia e provocar Putin para o fazer de
facto, só para que eles possam encobrir os seus próprios fracassos e trabalhar
para se promoverem como defensores dos valores ocidentais. Boris, Biden e
Zelensky são uma anedota. Literalmente. O que os une é que poderiam usar uma
invasão como uma divina distracção mediática e salvar-se a si próprios de serem
expulsos nas urnas ou substituídos pelos seus próprios partidos.
Do mesmo modo, a UE encontra-se numa crise política nunca
vista e quase de certeza que dirigirá os seus jornalistas servis em Bruxelas
para que eliminem uma cópia cega mostrando como a União Europeia faz parte de
uma crise humanitária e "lidera" os exércitos da UE que enviaram
tropas para lá. Bruxelas poderá mesmo convencer alguns estados membros da UE a
colocar nas armas dos seus soldados um emblema da UE para alimentar com mais
mentiras a máquina mediática de notícias falsas. É claro que os jornalistas -
como o do Financial Times que cobriu escreveu uma conferência em Bruxelas sobre
as relações com os países africanos como sendo
uma manobra de relações públicas premiada para a própria UE - não
estarão à procura de quaisquer factos irritantes que impeçam uma boa estória.
Um deles, por exemplo, é de que a UE é a raiz desta crise por ter seduzido a
Ucrânia aderir à NATO.
Uma guerra na Ucrânia pode apagar muitas más notícias em Bruxelas, como o crescimento patético da zona euro, como a Polónia e outros estados membros estão a emergir como candidatos ao Brexit, ou simplesmente como a UE está a ser ignorada em matéria de política externa e só pode realmente ser subserviente em relação aos EUA, como fez muito recentemente Josep Borrell em Washington. A popularidade de Biden também pode ser temporariamente suspensa da atual queda livre, se ele puder passar por estadista e completar frases inteiras enquanto gagueja para o seu teleponto e usa palavras caras ou se lembra da capital da Ucrânia. (…)»
Martin Jay, Give War a Chance? Fake News Is Already Making It Happen in Ukraine - Strategic Culture.
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