«Não admira que os jornalistas o tenham omitido. Alegaram
uma carrada de desculpas para não verem a sátira da rutura climática no ‘Don’t
Look Up’: é "contundente", é "estridente", é
"presunçoso". Mas não mencionam o verdadeiro problema: é sobre eles.
O filme é, a meu ver, uma poderosa demolição dos grotescos fracassos da vida
pública. E o setor cujos fracassos são mais brutalmente denunciados são os
media. (…)
Quando combatemos qualquer mal, em qualquer altura,
vemo-nos confrontados com as mesmas forças: distracção, negação e ilusão.
Aqueles que procuram alertar para o colapso dos nossos sistemas de apoio à vida
esbarram logo contra a barreira que nos separa das pessoas que estamos a tentar
alcançar, uma barreira chamada os meios de comunicação social. Salvo notáveis
excepções, o setor que deveria facilitar a comunicação frustra-a.
Não são apenas as suas estupidezes individuais que se
tornaram imperdoáveis, tais como os palcos repetidamente oferecidos aos
negacionistas do clima. É a estupidez estrutural com que os media estão
empenhados. É o anti-intelectualismo, a hostilidade a novas ideias e a aversão
à complexidade. É a ausência de seriedade moral. É a coscuvilhice vazia sobre
celebridades e consumíveis que tem precedência sobre a sobrevivência da vida na
Terra. É a obsessão de fazer ruído, independentemente do sinal. É o alinhamento
reflexivo com o status quo, seja ele qual for. É a promoção interminável das
opiniões dos mais egoístas e anti-sociais, e a exclusão daqueles que tentam
defender-nos da catástrofe, com o fundamento de que são "radicias" ou
"loucos" (...)
Mesmo quando estes comerciantes da distração abordam a
questão, tendem a excluir os peritos e a entrevistar atores, cantores e outras
celebridades. (…) A substância é substituída pela aparência, pois mesmo as
questões mais sérias devem agora ser articuladas por pessoas cujo função é
adotar a imagem de outra pessoa e produzir as palavras de outra pessoa. (…)
Da mesma forma, não são apenas os fracassos individuais
dos governos em Glasgow e noutros locais que se tornaram imperdoáveis, mas todo
o quadro de negociações. Como os sistemas terrestres cruciais podem estar a
aproximar-se do seu ponto de viragem, os governos ainda se propõem abordar a
questão com pequenas medidas, ao longo de décadas. É como se, em 2008, quando o
Lehman Brothers entrou em colapso e o sistema financeiro global começou a
oscilar, os governos tivessem anunciado que iriam socorrer os bancos à taxa de
alguns milhões de libras por dia entre 2008 e 2050. O sistema teria entrado em
colapso 40 anos antes de o seu programa estar completo. A nossa questão
central, civilizacional, creio eu, é a seguinte: por que razão as nações lutam
para salvar os bancos, mas não o planeta?
Assim, à medida que corremos em direção ao colapso do
sistema terrestre, tentar fazer soar o alarme é como se estivéssemos presos atrás de
uma espessa placa de vidro. As pessoas podem ver a nossa boca abrir e fechar,
mas têm dificuldade em ouvir o que estamos a dizer. À medida que batemos
freneticamente no vidro, ficamos cada vez mais loucos. E sentimo-lo. A situação
é verdadeiramente enlouquecedora (...)
George Monbiot, The Guardian.
Sem comentários:
Enviar um comentário