quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Reflexão: porque é que os media mantêm um silêncio acerca do «Don’t Look Up»?

«Não admira que os jornalistas o tenham omitido. Alegaram uma carrada de desculpas para não verem a sátira da rutura climática no ‘Don’t Look Up’: é "contundente", é "estridente", é "presunçoso". Mas não mencionam o verdadeiro problema: é sobre eles. O filme é, a meu ver, uma poderosa demolição dos grotescos fracassos da vida pública. E o setor cujos fracassos são mais brutalmente denunciados são os media. (…)

Quando combatemos qualquer mal, em qualquer altura, vemo-nos confrontados com as mesmas forças: distracção, negação e ilusão. Aqueles que procuram alertar para o colapso dos nossos sistemas de apoio à vida esbarram logo contra a barreira que nos separa das pessoas que estamos a tentar alcançar, uma barreira chamada os meios de comunicação social. Salvo notáveis excepções, o setor que deveria facilitar a comunicação frustra-a.

Não são apenas as suas estupidezes individuais que se tornaram imperdoáveis, tais como os palcos repetidamente oferecidos aos negacionistas do clima. É a estupidez estrutural com que os media estão empenhados. É o anti-intelectualismo, a hostilidade a novas ideias e a aversão à complexidade. É a ausência de seriedade moral. É a coscuvilhice vazia sobre celebridades e consumíveis que tem precedência sobre a sobrevivência da vida na Terra. É a obsessão de fazer ruído, independentemente do sinal. É o alinhamento reflexivo com o status quo, seja ele qual for. É a promoção interminável das opiniões dos mais egoístas e anti-sociais, e a exclusão daqueles que tentam defender-nos da catástrofe, com o fundamento de que são "radicias" ou "loucos" (...)

Mesmo quando estes comerciantes da distração abordam a questão, tendem a excluir os peritos e a entrevistar atores, cantores e outras celebridades. (…) A substância é substituída pela aparência, pois mesmo as questões mais sérias devem agora ser articuladas por pessoas cujo função é adotar a imagem de outra pessoa e produzir as palavras de outra pessoa. (…)

Da mesma forma, não são apenas os fracassos individuais dos governos em Glasgow e noutros locais que se tornaram imperdoáveis, mas todo o quadro de negociações. Como os sistemas terrestres cruciais podem estar a aproximar-se do seu ponto de viragem, os governos ainda se propõem abordar a questão com pequenas medidas, ao longo de décadas. É como se, em 2008, quando o Lehman Brothers entrou em colapso e o sistema financeiro global começou a oscilar, os governos tivessem anunciado que iriam socorrer os bancos à taxa de alguns milhões de libras por dia entre 2008 e 2050. O sistema teria entrado em colapso 40 anos antes de o seu programa estar completo. A nossa questão central, civilizacional, creio eu, é a seguinte: por que razão as nações lutam para salvar os bancos, mas não o planeta?

Assim, à medida que corremos em direção ao colapso do sistema terrestre, tentar fazer soar o alarme é como se estivéssemos presos atrás de uma espessa placa de vidro. As pessoas podem ver a nossa boca abrir e fechar, mas têm dificuldade em ouvir o que estamos a dizer. À medida que batemos freneticamente no vidro, ficamos cada vez mais loucos. E sentimo-lo. A situação é verdadeiramente enlouquecedora (...)

George Monbiot, The Guardian.

Sem comentários: