quinta-feira, 27 de janeiro de 2022

Reflexão: «A geoengenharia solar não vai salvar o clima, vamos pará-la»

 

Um grupo de cientistas, investigadores e figuras públicas apela à regulamentação global da geoengenharia solar. Acreditam que estas tecnologias são arriscadas, antidemocráticas e ineficazes contra as alterações climáticas:

"Apelamos aos governos, às Nações Unidas, e a todas as partes interessadas que actuem contra a normalização da geoengenharia solar como instrumento da política climática. Os governos e as Nações Unidas devem assegurar um controlo político eficaz das tecnologias de geoengenharia solar e restringir o seu desenvolvimento à escala global. Concretamente, apelamos à adopção de um acordo internacional para não utilizar a geoengenharia solar.

A geoengenharia solar, definida como um conjunto de tecnologias que refletem a radiação solar de volta ao espaço para reduzir o aquecimento global, é um tema que está a ganhar importância nos debates sobre política climática. Vários cientistas lançaram projetos de investigação sobre este tema, e alguns destes cientistas consideram que a utilização destas tecnologias poderia fazer parte das soluções políticas para combater as alterações climáticas.

Para nós, estes múltiplos apelos à investigação e desenvolvimento da geoengenharia solar são alarmantes por três razões principais:

Primeiro, os riscos da geoengenharia solar são ainda pouco estudados e compreendidos e não serão totalmente conhecidos. Os impactos podem variar de região para região e os efeitos destas tecnologias no clima, na agricultura e no fornecimento de alimentos básicos e necessidades de água são até agora extremamente incertos.

Segundo, as esperanças especulativas de desenvolvimento de tecnologias de geoengenharia solar ameaçam os compromissos de mitigação das partes interessadas nas negociações climáticas e podem dissuadir governos, empresas e as nossas sociedades de fazer tudo o que estiver ao seu alcance para alcançar a descarbonização ou a neutralidade de carbono o mais rapidamente possível. A possível introdução de tecnologias de geoengenharia solar em larga escala num futuro próximo pode fornecer um forte argumento aos lobistas da indústria, aos negacionistas do clima e a alguns governos para adiar a implementação de políticas ambiciosas de descarbonização.

Terceiro, o sistema de governação global é atualmente incapaz de desenvolver e implementar um acordo político de âmbito e ambição suficientes para controlar a implementação da geoengenharia solar de uma forma justa, inclusiva e eficaz. A Assembleia Geral das Nações Unidas, o Programa das Nações Unidas para o Ambiente ou a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas não têm nem o mandato nem os meios para assegurar uma supervisão multilateral equitativa e eficaz da implantação de tecnologias de geoengenharia solar à escala global. Embora os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU tenham poder de veto, falta a este órgão a legitimidade internacional para regular eficazmente a utilização da geoengenharia solar. Disposições informais de governação, tais como diálogos entre múltiplos intervenientes ou códigos de conduta voluntários, são também inadequadas para regular o desenvolvimento destas tecnologias. De facto, estes mecanismos arriscam-se a contribuir para a legitimação prematura das tecnologias de geoengenharia solar, porque excluem a participação de actores menos poderosos, potencialmente mais expostos aos riscos associados à utilização destas tecnologias. As redes científicas são dominadas por um punhado de países industrializados, e mais uma vez os países economicamente menos poderosos têm pouca ou nenhuma influência nas decisões de rede no que diz respeito ao estudo e implantação destas tecnologias.

Finalmente, a governação tecnocrática baseada em comissões de peritos é incapaz de julgar complexos conflitos internacionais sobre valores, atribuição e aceitação de riscos que surgem no contexto da geoengenharia solar.

Sem mecanismos eficazes de controlo democrático internacional, os impactos geopolíticos de qualquer implantação unilateral da geoengenharia solar seriam preocupantes e injustos. Dados os baixos custos de algumas destas tecnologias, existe o risco de os países mais poderosos se envolverem unilateralmente na geoengenharia solar ou em pequenas coligações, mesmo que a maioria dos países se oponha a tal implantação.

Ao adoptar este acordo internacional, os governos comprometer-se-iam a cinco medidas: proibir as agências nacionais de financiamento de apoiar o desenvolvimento de tecnologias de geoengenharia solar, através de medidas tomadas a nível nacional e por instituições internacionais; proibir os testes ao ar livre de tecnologias de geoengenharia solar em áreas sob a sua jurisdição; não conceder patentes para tecnologias de geoengenharia solar, incluindo tecnologias de apoio à sua implantação, tais como a adaptação de aviões para injeção de aerossóis; não utilizar tecnologias de geoengenharia solar se estas forem desenvolvidas por terceiros; opôr-se à institucionalização da geoengenharia solar global como instrumento de política climática nas instituições internacionais relevantes, incluindo nas avaliações do Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas.

Um acordo internacional para não utilizar a geoengenharia solar não proibiria a investigação atmosférica ou climática como tal, nem restringiria a liberdade académica. Pelo contrário, o acordo concentrar-se-ia em medidas para restringir o desenvolvimento de tecnologias de geoengenharia solar sob a jurisdição das partes no acordo." 

Reporterre.

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