«(...) As pessoas não precisam de saber nada sobre
ciência climática para saberem que houve aqui uma profunda injustiça que
precisa de ser corrigida. Não é uma história científica, é uma história de
justiça: pessoas com mais poder e dinheiro do que você usaram a informação
sobre as alterações climáticas para sustentar as suas próprias e disseram-lhe
para não se preocupar com isso.
Isso é apoiado não só pelos memorandos internos de várias
companhias petrolíferas e pelas discrepâncias entre essas comunicações internas
e o que estavam a dizer ao público, mas também pelas suas patentes. Em 1973, a
Exxon obteve uma patente para um petroleiro que podia facilmente navegar num
Ártico em degelo. Em 1974, foi concedida à Texaco uma patente para uma
plataforma móvel de perfuração num Ártico em degelo. Nesse mesmo ano, a Chevron
obteve uma patente para a sua versão de uma plataforma de perfuração num
Árctico em degelo. A Shell ficou um pouco para trás; obteve a patente da sua
plataforma de perfuração num Árctico em degelo em 1983.
Quando lhe mostraram esta prova dos preparativos das
companhias petrolíferas para um mundo em aquecimento, Lori French ficou
chocada. A família French apanha caranguejo ao largo da costa da Califórnia, e
o seu negócio tem sido afetado pelo aquecimento das águas ao longo dos últimos
anos. Mas ela e o seu marido não são grandes "crentes" da catástrofe
climática. "Somos ambos de opinião de que as alterações climáticas
acontecem desde o início dos tempos", diz ela.
Poderá ficar surpreendido se souber que ela me disse isto
em 2019, pouco depois de a sua família e vários outros apanhadores de caranguejos
terem subscrito uma ação judicial da sua associação comercial contra as 30
maiores petrolíferas mundiais pelo seu papel no atraso da ação sobre o clima.
Não por causa da ciência, mas por causa da justiça. Foram-lhes apresentados
vários documentos detalhando como a indústria dos combustíveis fósseis se tinha
preparado não só para resistir aos impactos climáticos, mas também para
continuar a lucrar à medida que os glaciares derretiam. (…)
As alterações climáticas estão a afetar as pescas em todo o mundo e a deslocalizar comunidades inteiras. De acordo com o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas, as alterações climáticas já estão a afetar todas as regiões da Terra, de múltiplas formas, desde a subida dos mares até à intensificação de tempestades e incêndios florestais. O Banco Mundial prevê que mais de 200 milhões de pessoas irão migrar nas próximas três décadas devido a eventos climáticos extremos ou ao desaparecimento dos seus países de origem. Em 2020, 30,7 milhões de pessoas foram deslocalizadas internamente por catástrofes, mais de três vezes mais do que conflitos e violência (9,8 milhões de pessoas). Essa deslocalização - tal como outros impactos climáticos - está a atingir primeiro as comunidades no Sul global, e afetará desproporcionadamente as pessoas pobres e da classe trabalhadora em todo o mundo.
Entretanto, na mesma década em que os avisos dos cientistas sobre as alterações climáticas se tornaram mais terríveis, os investigadores das ciências sociais descobriram que quase não há correlação entre a compreensão pública da ciência climática e a percepção do risco e, portanto, pouca ou nenhuma relação entre apreender a ciência das alterações climáticas, acreditar nos avisos dos cientistas, e fazer alguma coisa a esse respeito. Há, no entanto, uma relação entre a consciência da desigualdade ou injustiça e a vontade das pessoas apoiarem a mudança social. Um estudo norueguês que investiga o impacto de várias histórias sobre o clima, verificou que as que envolviam heróis e vilões tiveram "um grande impacto persuasivo" nos leitores. Um estudo sobre estudantes em seis países descobriu que um quadro de justiça estimulou os jovens a agir sobre o clima. (…)
A crise climática não é um problema científico ou técnico, é uma questão de justiça e de vontade política. Atuar sobre ela põe em causa não só a nossa fonte de energia, mas também as nossas estruturas de poder, catalisando uma mudança social generalizada. A única coisa que alguma vez foi realmente bem sucedida foram os movimentos de justiça - os movimentos públicos sobre injustiças flagrantes e uma exigência de mudança. Se os progressistas e ativistas climáticos querem ter alguma esperança de estimular o tipo de movimento necessário para afastar os interesses políticos e económicos dos combustíveis fósseis, é tempo de pôr de lado "acreditar na ciência" e, em vez disso, abraçar uma ampla luta pela justiça.»
Amy Westervelt,
Dizer às pessoas para 'seguirem a ciência' não salvará o planeta. Mas elas
lutarão pela justiça. – The Guardian 28dez2021.
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