«O Tratado da Carta da Energia, assinado em Lisboa em dezembro de 1994, pode tornar-se um dos principais entraves às políticas climáticas que o mundo inteiro aprova, numa luta contra o tempo.
Os Governos europeus comprometeram-se a eliminar
gradualmente o carvão, o petróleo e o gás, a fim de limitar o aquecimento global
a menos de dois graus, no século XXI. Mas o tratado permite às grandes empresas
de energia contestar essas medidas e exigir uma compensação elevada pela perda
do seu negócio.
O tratado é unilateral, porque só as empresas podem
processar os Estados, e tem uma redacção extremamente vaga; os tribunais
arbitrais reúnem-se em segredo como tribunais-sombra onde muitas vezes nem a
reclamação nem a defesa são conhecidas; nalguns casos, nem sequer é tornado
público que existem arbitragens. E se um Estado é condenado, raramente é possível
que uma decisão arbitral possa originar um recurso perante um tribunal
judicial. A simples ameaça de um processo arbitral leva os governos a negociar
acordos prévios. Por uma razão muito simples: a taxa de êxito dos processos
arbitrais é muito favorável às empresas (60%) que, quando ganham, podem criar
problemas sérios aos países.
Em 2015, o Parlamento italiano decidiu não permitir qualquer extracção de petróleo e gás próxima da costa, decretando assim o fim do projecto Ombrina Mare. Em Março de 2017, a Rockhopper iniciou uma acção judicial ao abrigo do Tratado da Carta da Energia exigindo uma compensação de 29 milhões de dólares pelos investimentos feitos até à data e mais 246 milhões por lucros futuros perdidos. Na Primavera de 2017, o então ministro do Ambiente francês, François Hulot, apresentou uma nova lei para proibir a extracção de combustíveis fósseis em França. Pouco depois, a petrolífera Vermilion, através de um escritório de advogados parisiense, acusava se estava a violar as obrigações da França como membro do Tratado da Carta da Energia. O governo francês recuou e o projeto não só avançou como foram concedidas licenças para novas perfurações até 2040.
O número de processos judiciais contra Estados explodiu desde 2000. Vários países da UE ou foram ameaçados com processos judiciais ou foram de facto processados por investidores estrangeiros que são frequentemente também europeus. Em média, os queixosos recebem cerca de 40% do que exigem. Os prémios tornaram-se muito elevados, diz Sarah Brewin, consultora de direito internacional do Instituto Internacional para o Desenvolvimento Sustentável: “São elevados porque muitas partes no sistema estão interessadas em que o sistema funcione para os investidores.”
Desenvolveu-se em torno da arbitragem toda uma corte de advogados especializados e muito bem pagos. Em 2017, os investigadores da Universidade de Oslo registaram 3910 advogados que trabalham com arbitragem internacional a nível mundial. Descobriram que um núcleo poderoso de 25 pessoas — quase todos homens de escritórios de advogados ocidentais — funciona como uma elite de árbitros com muitos casos sob a sua alçada. Um inquérito de 2019 concluiu que a empresa tem de pagar uma média de seis milhões de dólares por assistência jurídica, enquanto o mesmo custa aos Estados uma média de 5,2 milhões de dólares para se defenderem.
Alguns dos advogados alternam entre papéis: um dia é juiz nomeado por uma das partes numa disputa, no dia seguinte é advogado de uma empresa ou Estado, noutro dia é testemunha especializada. Isto tem levado a constantes perguntas sobre conflitos de interesses.»
Paulo Pena/Investigate
Europe, O tratado, assinado em Lisboa, que incentiva o aquecimenento global –
Público 28fev2021.
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