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quarta-feira, 24 de março de 2021
Bico calado
«Não é possível ser educado num colégio privado de
Sherborne, na Universidade de Cambridge, trabalhar como editor político do
Spectator, como principal comentador político do Daily Telegraph, como
jornalista do Evening Standard, como comentador do Express, para fazer quase 30
documentários para o Channel 4, BBC World e BBC Radio 4, ser nomeado duas vezes
colunista do ano pela Society of Editors Press Awards e ainda falar
honestamente sobre a corrupção sistémica dos media empresariais (…) No seu livro recente, ‘The Assault on Truth’, Peter
Oborne direciona o seu fogo contra um alvo muito específico e crucial:
"Nunca encontrei um político britânico sénior que mentisse e inventasse
com tanta regularidade, tão desavergonhada e sistematicamente como Boris
Johnson. Ou se safasse das suas trapaças com tanta facilidade." (Peter Oborne,"
The Assault on Truth - Boris Johnson, Donald Trump and the Emergence of a New
Moral Barbarism ", Simon & Schuster, 2021, p.18) Oborne está à vontade para comentar, porque foi
contratado por Johnson para seu editor político na Spectator em 2001. Por isso,
não falha o alvo: “Johnson foi ao programa de Andrew Marr para alegar que o
‘líder trabalhista disse que acabaria com o MI5’. Marr não levantou objeções,
mas, para ter a certeza, li o manifesto trabalhista. Não continha nenhuma
referência ao MI5, mas prometia ‘garantir uma coordenação mais próxima do
combate ao terrorismo entre a polícia e os serviços de segurança, combinando a
experiência da vizinhança com as secretas internacionais’”. (P.22) (…) Oborne destaca este exemplo particularmente cínico de campanha
eleitoral baseada na mentira de Johnson: "Durante um discurso de dez
minutos, os espetadores ficam a saber que ele está a construir quarenta novos
hospitais. Parece uma promessa eleitoral extremamente impressionante. Fe facto,
é uma mentira que o primeiro-ministro já repetiu muitas vezes durante a
campanha, e continuaria a repetir em muitas outras ocasiões. Na melhor das
hipóteses, o governo alocou dinheiro apenas para seis hospitais.” (Pp.15-16). O
problema está nos detalhes das notas de rodapé ao fundo da página: “De acordo
com os planos dos Conservadores, seis hospitais receberam financiamento para
obras de requalificação entre 2020 e 2025. Trinta e oito outros hospitais
receberiam dinheiro para desenvolver planos de melhorias entre 2025 e 2030, mas
não para realizar qualquer trabalho de construção.” (P. 16) E Oborne conclui: ‘Há evidências irrefutáveis de que as
mentiras e distorções do Partido Conservador nas eleições de 2019 foram
cínicas, sistemáticas e preparadas com antecedência. Os conservadores de
Johnson mentiram e trapacearam deliberadamente para chegar à vitória. A
estratégia triunfou.' (P.37) Então, como diabo Johnson conseguiu safar-se? ‘Os
principais repórteres e editores da Grã-Bretanha fizeram vista grossa às
mentiras, deturpações e falsidades promovidas por Johnson e seus ministros.’
(P.7). Mas isso foi apenas parte do problema: ‘Muitos jornalistas experientes
fizeram ainda mais. Colaboraram ativamente com Downing Street a fim de
distribuir informações falsas úteis para a causa de Johnson.'(P.121) Este viés dos media que destrói a democracia tornou-se
ainda mais implacável na sua campanha de difamação de Corbyn: ‘A grande
imprensa quase não deu atenção às habituais mentiras de Johnson, em nítido
contraste com o tratamento dado ao líder trabalhista, Jeremy Corbyn, que estava
sujeito a constantes ataques’. (p.119) A diferença é que Corbyn não mentia -
ele era atacado por tudo e por nada que dizia, fazia ou não fazia. O problema específico é que "o governo de Johnson
era um governo de classe dos media". (P.115) Johnson e Michael Gove são
jornalistas muito apoiados por ex-colegas e aliados: "A verdade é que os
barões da imprensa estavam determinados a instalar a troika de Johnson, Gove e
[conselheiro de Johnson] Cummings em Downing Street." (P.117) Afinal,
Michael Gove era o protegido de Rupert Murdoch, dono do The Sun, do The Times e
da Fox News: "Quando o grupo de Murdoch News International estava
de rastos após as revelações de escutas telefónicas ilegais, Gove veio em
defesa da liberdade de imprensa no inquérito Leveson. Murdoch não esqueceu:
Gove e sua esposa Sarah Vine foram convidados para o seu casamento com a
ex-modelo Jerry Hall. ‘Murdoch também apoiou Johnson, mas seus principais
patrocinadores foram os irmãos Barclay, proprietários obscuros do Daily
Telegraph, jornal doméstico do Partido Conservador. “Muitos parabéns a Boris
Johnson que, é claro, acaba de ser nomeado primeiro-ministro”, entusiasmou o
jornal quando entrou no número 10 da Downing Street. “Boris é o primeiro
jornalista do Telegraph desde Sir Winston Churchill a liderar o país.” ‘Associated Newspapers, proprietários do Mail on Sunday e
do Daily Mail, que empregava Sarah Vine, também apoiaram Johnson. Juntos, esses
três grupos representavam mais de 30% dos leitores de jornais britânicos. Todos
apoiavam Johnson. O mesmo se aplica ao Evening Standard, que circula em
Londres, uma área predominantemente de eleitores Trabalhistas e anti-Brexit.
Sob a liderança de Evgeny Lebedev, tornou-se um aliado improvável dos
conservadores, apoiando Johnson tanto para líder conservador como para o
primeiro-ministro. "(Pp.117-118) (…) ‘Grande parte do jornalismo político tornou-se a pútrida
face pública de um governo corrupto. Só existe um bom motivo para ser
jornalista: dizer a verdade. Não devemos entrar nesta profissão para nos
tornarmos porta-vozes passivos de políticos e instrumentos do seu poder. Muitos
media e políticos fundiram-se. Esta amálgama anti-natura converteu a verdade em
falsidade, enquanto as mentiras se tornaram verdade.'(P.7) (…)» Media Lens.
A plataforma de conversação de vídeo online Zoom viu os
seus lucros dispararem 4000% durante a pandemia de Covid-19, graças à crescente
dependência do trabalho remoto e do ensino a distância.Uma análise do Institute on Taxation and Economic Policy revela que a
empresa não pagou um cêntimo em impostos federais sobre os seus rendimentos de
2020. Jake Johnson, Common Dreams.
«O que passa por política, aqui, está num estado tão
calimitoso que não me apetece contribuir para as lérias em curso. Quem quiser,
liga a televisão “informativa” onde todos os dias é servida uma salada mista de "comentadorismo” tartufo em que todos, e cada um, falam sobretudo para eles e
para a sua “agenda” cá fora, sem um acrescento ou mais-valia para o espetador.
É comos os relatos da bola, nas mesmas televisões, em que só eles estão a ver o
campo. Os espetadores “vêem” e ouvem apenas o que os relators querem que eles
vejam e ouçam.» João Gonçalves, JN 22m132021.
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