terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Bico calado

  • «A maioria dos autores das cartas tinha por objectivo utilizar a PIDE para a resolução de conflitos pessoais, sendo a vingança a principal motivação. Em Janeiro de 1964, após ter recebido uma carta anónima acusando Armando A. de distribuir propaganda comunista, a posterior investigação da PIDE apurou que o motive da denúncia fora uma “questiúncula” entre vizinhos acerca de um muro de jardim. (…) Estas ameaças de denúncias eram tão comuns que até um pedinte em Miranda do Douro, Zeferino M., ameaçava as pessoas que não lhe davam esmola que as iria denunciar à PIDE como comunistas (Agosto de 1962). (…) Também a defesa do catolicismo enquanto base espiritual da nação levava padres — mas não só — a denunciar os “desvios” da norma católica. Assim, em Setembro de 1961, o padre Joaquim C. alertava as autoridades quanto à existência, em Elvas, de uma “seita protestante”. (…) Em alguns casos, a PIDE era mesmo vista como uma oportunidade para vários membros da família. Em Março de 1965, José V. e a sua mulher, Maria, ofereciam-se conjuntamente como informadores. Neste caso, foi a pobreza que acabou por moldar as relações entre a sociedade e a PIDE. De facto, a maioria dos autores destas cartas provinham das classes sociais mais baixas.» Duncan Simpson, Os portugueses foram vítimas ou cúmplices da PIDE? – Público 14fev2021.
  • «Socorrendo-se de um texto do seu correligionário Rui Ramos sobre as eleições presidenciais, Fátima Bonifácio (FB) entende que o país só vota maioritariamente à esquerda porque está acorrentado ao Estado clientelar criado pelo PS. Segundo decreta Ramos, e FB confirma, “o Estado é de esquerda mas o país não é”. Ao contrário do que os resultados eleitorais enganadoramente indicam, explica-nos a autora, o país não vota maioritariamente à esquerda, é sim “colonizado pela esquerda”. Trump não diria melhor. Ou seja, em Portugal as eleições teriam deixado de ser uma forma de legitimar o poder político. Elas não exprimem a vontade real dos eleitores, que só Ramos e FB sabem qual é. Retomando os velhos tropos do ultramontanismo reacionário dos anos 20 e 30 do século passado, esta nova direita conservadora atribui-se a si mesma, por força de uma misteriosa ordem natural das coisas (“manda quem pode”), o dom de saber o que realmente quer o povo, qual o verdadeiro sentido do “interesse da nação” e até o dever de impor ao país, mesmo contra ele próprio, os duros remédios da “salvação nacional” e das “barrelas”. (…) FB constata que, na vigência da democracia, “a direita não se conseguiu impor (na realidade é disso que se trata) com boas maneiras e falinhas mansas”. É portanto o tempo da brutalização da política, a hora das “maneiras” do Chega, de a extrema direita xenófoba e racista agir como “pelotão da frente” para “abrir caminho” a uma “direita clássica” que, candidamente, a autora classifica como “democrática e – sobretudo – liberal”.» Fernando Rosas, Abrir caminho – Público 15fev2021.
  • Porque é que o mercado falhou em produzir uma vacina contra o ébola? Porque produzir vacinas ou medicamentos para uma doença que afeta predominantemente os países em desenvolvimento não é um negócio lucrativo. New Internationalist, 16jun2016.
  • O presidente executivo da News Corp, Rupert Murdoch, e seus principais executivos no Reino Unido e nos EUA ter-se-ão encontrado com o primeiro-ministro Boris Johnson e outros políticos do governo sete vezes em sete semanas no verão passado. Pior, desde então soube-se que editores e executivos da News Corp do Reino Unido e da América se reuniram com ministros 40 vezes nos primeiros 14 meses do governo Johnson, o que indicia um alto nível de interferência estrangeira nos assuntos da política britânica. TruePublica.
  • Tenham vergonha, New York Times – título de artigo de Alan Macleod denunciando o viés dos jornalistas do NYTimes em relação à China. Tudo porque, enquanto o jornal novaiorquino acusa a China de encobrir e sonegar informações sobre a origem do coronavirus, cientistas há que fazem questão de contradizer a narrativa dp NYTimes, garantindo publicamente que houve abertura, disponibilidade, profissionalismo, e confiança por parte dos seus homólogos chineses.
  • Sever do Vouga com serviço de leitura take away. Por vezes fazem-se títulos miseráveis, como este, do Notícias de Aveiro.
  • A Irlanda vai ter dezenas de milhares de toneladas de peixe deduzidas das suas quotas nos próximos anos e poderá perder até € 40 milhões em financiamento europeu após uma investigação da UE ter concluído que os sistemas irlandeses para controlar e sancionar o cumprimento das regras da Política Comum de Pesca eram "insatisfatórios". Jack Horgan-Jones, The Irish Times.

1 comentário:

OLima disse...

Duncan Simpson, Os portugueses foram vítimas ou cúmplices da PIDE? – Público 14fev2021.

comentários de Luís Farinha
(https://www.esquerda.net/opiniao/cronicas-com-alguma-ironia/72934)

«(...)
Fixemo-nos na forte “interação”, referida pelo investigador, entre o povo português e a PIDE. E não ignoremos o conteúdo presumível das 523 cartas já lidas. Mas então perguntemos: podem estas 523 cartas ser representativas de tantos milhares e milhares de cartas escritas – corajosamente! – pelos prisioneiros, pelos seus familiares e por outros cidadãos e organizações a exigir o julgamento, a libertação dos presos ou a protestar pelos tratamentos desumanos a que eram sujeitos os detidos? E não falamos destas cartas para as equiparar em conteúdo, intenção e atitude dos seus autores às referidas por Simpson. É que é necessário muito mais coragem para protestar ou exigir do que para denunciar alguém ou sujeitar-se à ignomínia do falso “pedinte”.

“Cúmplice”, “vítima” – ou lutador e combatente?

Não tenhamos dúvidas sobre a atitude do povo português: só não houve mais portugueses a manifestar-se contra a violência da PIDE por receio da violência da PIDE.
E houve milhares de portugueses que escreveram cartas à PIDE para obter benefícios pessoais ou para manifestar as suas convicções políticas de apoio ao regime? Sim. Ignorar que a Ditadura fascista teve apoiantes convictos e apoiantes oportunistas seria negar a evidência mais evidente. Nem o regime teria durado 48 anos se não conseguisse criar “vagas de consenso” em períodos fulcrais da sua existência. Provavelmente, não é deste “consenso” que falam as 523 cartas de Duncan Simpson. Se conseguimos “ler” alguma coisa através dos exemplos que nos dá, os autores e autoras destas cartas são antes o retrato da pobreza e da ignorância e miséria em que vivia uma boa parte do povo português. Muito mais do que os “cúmplices” que Simpson julga ter encontrado.

E neste sentido, também as suas apressadas suposições de que foram poucos os “reprimidos” e muito poucos os que se “levantaram contra a PIDE” são pontos de partida ilusórios. Simpson ignora o silêncio forçado dos oprimidos. A quem não foi possível sair do seu país (a não ser “a salto”), a quem não foi possível ouvir a música ou ver os filmes proibidos que a Europa e o Mundo viam em liberdade, a quem não foi possível cultivar o saber, a quem não foi possível viver segundo os padrões mínimos de dignidade humana. E também ignora as múltiplas formas de resistência que nunca ficaram limitadas às ações políticas das “minorias ativas”. Simpson sabe o que foram os movimentos de resistência camponesa na Madeira ou nas Terras Altas? Simpson ignora seguramente que milhares de portugueses “festejaram” o 1º de Maio de 1962, sujeitando-se à mais feroz repressão. Que muitos milhares participaram em movimentos eleitorais semi-legais (como as eleições de 1945, de 1958, de 1969 e de 1973).
(...)
Fica uma dúvida – embora legítima na nossa opinião. Que é aquela que perpassa pelas discussões que atravessam toda a Europa, de Ocidente a Oriente, sobre a existência dos fascismos e dos totalitarismos. Quando alguém pretende concluir que o povo português foi “cúmplice” da Ditadura isso acontece com a finalidade de esclarecer a verdade dos factos, ou antes com o objetivo de demonstrar que o povo português não combateu a Ditadura porque ela lhe parecia uma boa solução? Sabemos bem como estas formas absurdas de análise desembocam facilmente na via do negacionismo. E como isso ajuda que outros, mais comprometidos com a realidade política atual, defendam o endurecimento do regime para endireitar o país. Como uma solução natural.