«O confinamento abalou a maneira como pensamos o espaço na cidade. Tornou-se óbvio que muito do nosso ambiente urbano não é suficientemente verde ou acessível e vimos os efeitos negativos na saúde e bem-estar, especialmente nas áreas mais carentes das nossas cidades. (…)
Durante o primeiro confinamento no Reino Unido, a minha
família teve a sorte em aceder facilmente ao campo. As ansiedades da pandemia
Covid-19 foram aliviadas em grande medida pela capacidade de explorar esse
ambiente com a minha filha de cinco anos. O bosque à nossa volta foi um lugar
seguro e estimulante de aprendizagem, uma alternativa bem-vinda à mesa da
cozinha.
O que seria necessário para reformular as atuais vilas e
cidades para tornar o acesso à floresta uma parte fácil e natural da educação
de uma criança? Precisaríamos de meio hectare de floresta, - o tamanho mínimo
para um habitat viável, segundo o Inventário Florestal Nacional -, ao alcance
de todas as escolas. A criação desse espaço verde selvagem articular-se-ia
diretamente com a agenda de "renaturalização da natureza".
A maioria das comunidades quer ser mais sustentável, ter
acesso a ar limpo, energia limpa, espaços verdes e um mundo natural. Caroline
Lucas, parlamentar do Partido Verde, tem defendido o estabelecimento de metas
legalmente vinculadoras para o acesso à natureza para todos, tendo em
consideração m enorme volume de evidencias que ligam o contato com o mundo
natural à nossa saúde e o nosso bem-estar físico e mental.
As práticas de conservação ambiental no século 20 eram altamente baseadas em metas, com projetos que se concentravam em determinadas espécies e monitoravam e ajustavam os ambientes para atingir uma meta. A renaturalização, como podemos ver no trabalho de Isabella Tree e George Monbiot, entre outros, desafia fundamentalmente essa abordagem e, em vez disso, convida os ecologistas a criar uma estrutura na qual a natureza possa evoluir e seguir o seu curso.(…)
Quando pensamos neste conceito nas cidades, não estamos a excluir as pessoas da natureza, mas a criar ambientes onde a atividade humana não é a força dominante. A ideia de que aprender "na natureza" é valioso para uma criança está incorporada no movimento Forest School. Embora testada de diversas maneiras na Europa no início do século XX, a primeira Escola Florestal formal foi criada no início dos anos 1950 por Ella Flautau, na Dinamarca. Hoje, os seus modelos são adotados em todo o mundo, muitas vezes assumindo a forma de sessões ocasionais em zonas florestais incluídas no currículo oficial. Para crianças urbanas, essa experiência costuma ocorrer em parques ou reservas naturais próximas.
Consideramos que este aspecto da educação tem enormes
benefícios psicológicos, como o prova Richard Louv no livro Last Child in the
Woods, ao relacionar o aumento do número de crianças com problemas de saúde,
como déficit de atenção e hiperatividade e o acesso limitado à natureza em contextos
urbanos e mesmo suburbanos.
As crianças de zonas urbanas têm acesso limitado à
natureza real. O leste de Londres, por exemplo, foi alvo de muita construção
nos últimos anos, o que está a reduzir a área de terrenos baldios e de espaços
livres a favor de moradias tão necessárias. Embora a habitação seja necessária,
também precisamos de uma auditoria mais focada na infraestrutura verde, nos
espaços naturais.
Autoridades locais, escolas, proprietários de terras e a
comunidade em geral deviam unir-se para estudar maneiras de intensificar a
natureza nos seus territórios.
Embora os citadinos possam desfrutar uma erva daninha
florescente ou um pequeno pedaço de selva na berma de uma rua ou num recanto, -
e isso tem valor para a riqueza ecológica e qualidade ambiental da cidade -,
esses espaços não oferecem muito em termos de uma experiência genuína de
natureza selvagem e são frequentemente inacessíveis ou excessivamente
"manicurados" por empreiteiros de manutenção com maquinaria pesada,
de modo que a sua diversidade natural é limitada.
Pode argumentar-se que há tensões entre a reconversão de
parques e espaços livres e o comportamento anti-social que pode medrar em
paisagens "mais selvagens". A minha filha contou que, numa recente sessão
bem-sucedida na Forest School, ninguém encontrara uma seringa. Talvez os
melhores lugares para melhorar e renaturalizar a cidade sejam bocados de
espaços atualmente inacessíveis, pouco frequentados e não programados, onde os
benefícios ambientais e sociais desta abordagem pudessem ser mais profundos e
causar menos conflitos.
Trabalhando coletivamente, podemos construir relações de
empatia entre escolas e espaços existentes e transformar espaços negligenciados
em espaços amados e bem utilizados pelas crianças, contribuindo muito mais para
a ecologia da cidade. Phytology, em Bethnal Green, Londres, é um excelente
exemplo de como um pequeno espaço de terra se tornou uma reserva natural muito
querida, que inclui uma panóplia de programas, articulando artes e educação
ambiental de uma forma informal, mas com curadoria e onde a natureza predomina.
É simultaneamente uma aventura na selva para uma criança e é muito seguro.(…)»
Cristina Monteiro nasceu em Espinho. É arquiteta, investigadora e co-diretora fundadora do gabinete londrino DK-CM. Ensinou pós-graduação e graduação na Kingston University e Central Saint Martins e foi crítica convidada e professora visitante na Architectural Association, na University of Cambridge e na Syracuse University. Fonte: Dezeen.
E em Portugal? Escola da Floresta - Forest School em Portugal
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