Bico calado
- «A emissão de ontem com o atual presidente da República
pôs uma vez mais em evidência algumas tristezas do jornalismo português. (…) o
entrevistado estava ali como candidato às próximas eleições presidenciais. Não
deveria pois ser tratado por “Senhor Presidente” mas sim por “Marcelo Rebelo de
Sousa”, por extenso, para evitar intimidades inadmissíveis. Ou então por
“Senhor Professor”. (…) os 40m48s de emissão foram tristemente lamentáveis.
Tratava-se da entrevista de um candidato a futuras eleições para a presidência
da República. O que supunha que fosse interrogado sobre o seu programa para o
próximo mandato. Ora, os jornalistas começaram por interrogá-lo sobre o
assassinato do imigrante ucraniano, depois sobre o Novo Banco e a TAP, sobre a
gripe, a pandemia e o estado de emergência. E só aos 24m51s (já para além de
metade da emissão!) perguntaram ao candidato se, no futuro mandato, não “deveria
ser mais interventivo”. (…) Em resumo: pouquíssima substância, sendo as
perguntas pouco pertinentes e consistentes, numa entrevista notoriamente mal
preparada e mal conduzida. Procurou o candidato, no entanto, responder com
seriedade, apesar das interrupções constantes (a tal ponto que foi obrigado,
quase no início, a ter que perguntar se podia “terminar a resposta”), de os
dois jornalistas falarem muitas vezes ao mesmo tempo, de um quase permanente
ruído de fundo provocado pelo repetido balbuciar de um dos jornalistas,
enquanto o outro evocava mesmo os seus próprios gostos musicais!» J.-M.
Nobre-Correia, Insuficiências de uma
entrevista – Notas de circunstânicia2.
- Uma trituradora Molinex não teria conseguido o que J.-M. Nobre-Correia fez ao José Gomes Ferreira, Diretor-adjunto de Informação da SIC, em Um rafeiro rosnador.
- «(…) Se a memória não me falha, terminou primeiro o País
Regiões, e depois o próprio País País. Entrámos na era do copy
paste e das fake news, e de repente “notícias regionais”
voltaram a soar a provincianismo, a pequenez, ao culto do coitadismo e do
pobre lavrador nas aldeias serranas – com aquele insuportável
“o Ti Zé” dito e escrito por extenso nos jornais da TVI no seu
período mais medíocre – irremediavelmente condenado ao envelhecimento e
ao abandono. Mas há algo que me incomoda sobremaneira nos blocos
informativos actuais da RTP. Para quem nunca reparou, o genérico de
entrada mostra em sucessão rápida uma série de dez imagens: oito delas em
Lisboa (Marquês de Pombal, Praça do Comércio, Rossio, Parque das Nações,
Arco da Rua Augusta, Ponte 25 de Abril, Gare do Oriente, Ponte Vasco da
Gama), e duas no Porto (Câmara Municipal do Porto, Ponte Luís I). E assim se
representa Portugal. E era isto que esses quase esquecidos blocos
regionais contrariavam, com os mesmos dinheiros públicos, e que agora se
manda ostensivamente às urtigas. Até os genéricos mostravam monumentos
dos vários distritos: o castelo de Bragança, o Palácio de Mateus, o Monte de
Santa Luzia, e por aí ia. E isto é a ilustração do nosso pensar de Estado
com uma clareza e simplicidade brutais. O país são oito partes de Lisboa
e duas de Porto: o resto são detalhes ou bens no portefólio, geríveis como
melhor convier a partir de uma capital que se impõe custe o que custar e
doa a quem doer. Olho lá para fora e penso no meu distrito, Bragança, com
meia dúzia de quilómetros de caminhos-de-ferro e uma auto-estrada, com
ligações viárias internacionais simplesmente péssimas, pejada de
barragens que prometeram muito e trouxeram nada e prontas a serem
vendidas apesar de tão defendidas pelo esquivo “Interesse do Estado”, e com
três deputados para nos representar entre os 230 da Assembleia da
República. Olho, e nestas alturas sinto-me esmagado pela revolta que me
assalta: sinto-me trasmontano, mas não me sinto português.» Daniel Conde, Oito
partes de Lisboa, duas de Porto - Interior do avesso.
- Como a Coca-Cola gastou milhões para comprar cientistas. Publicamos
com exclusividade um trecho do livro de Marion Nestle sobre as práticas da
indústria alimentícia para influenciar a produção académica e a ciência a seu
favor. APublica.
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