«Bernard Looney, CEO da BP, tem uma ou duas coisas que gostaria que você soubesse. “Condeno absolutamente a injustiça racial sob todas as formas”, escreveu ele num e-mail enviado aos colaboradores da empresa e, posteriormente publicado no LinkedIn: “Muitos de vocês provavelmente não estão cientes”, continuou ele, de que a BP “contribuiu imenso” para a construção do memorial Martin Luther King Jr. em Washington, DC. A BP, diz ele, apoia uma série de esforços “destinados a tentar para chegar à raiz das profundas desigualdades que existem em nossa sociedade. Se pudéssemos abordar alguns dos princípios básicos - como o acesso à educação - poderíamos encontrar maneiras de ajudar a curar algumas dessas profundas divisões de uma vez por todas. Eu quero que a BP esteja lá a tentar ajudar onde pudermos. É quem somos e faz parte da nossa história.” (…)
A história que o atual CEO da BP agora reivindica como anti-racista começou em 1901, quando um rico especulador de terras britânico chamado William Knox D'Arcy pagou à monarquia em declínio da Pérsia pelos direitos exclusivos de explorar, perfurar e lucrar com o petróleo do país. Esse acordo lançou as bases para o sistema de concessão que daria às empresas americanas e europeias o controle dos mercados de petróleo nas décadas seguintes. D'Arcy tornou-se diretor da Anglo-Persian Oil Company em 1909. Para satisfazer crescente procura de petróleo da sua economia militar e doméstica, a Grã-Bretanha comprou uma participação acionista de 51% na APOC, transformando-a na companhia nacional de petróleo da Grã-Bretanha logo que rebentou a Primeira Guerra Mundial. Conforme descrito no livro The Rise and Fall of OPEP in the 20 Century, do historiador Giuliano Garavini, o acordo foi totalmente focado nos lucros da empresa à custa de pagamentos insignificantes ao governo iraniano, pagando o mínimo possível para retirar o petróleo do solo. Os trabalhadores mais bem pagos da APOC eram predominantemente europeus ou indianos, enquanto os trabalhadores locais eram amontoados em tendas ou barracas e recebiam salários miseráveis que eram periodicamente cortados para manter a disciplina. “Segundo a empresa”, dizia uma petição de 1924 por melhores condições na refinaria da APOC em Abadan, “pagar o salário integral impede que os trabalhadores permaneçam no trabalho durante o verão, quando o tempo está quente.”
Quando o Xá do Irã revogou a concessão da APOC em 1932, alegando a distribuição de lucros distorcida, manifestações de regozijo irromperam nas ruas de Teerão. A Grã-Bretanha recorreu à emergente Organização Mundial do Comércio – o Tribunal Permanente de Justiça Internacional da Liga das Nações - para fazer cumprir os seus direitos de propriedade. A empresa contou ao mundo todo o bem que estava as fazer ao povo do Irão - construindo estradas, fornecendo empregos, instalando infraestruturas - e a Grã-Bretanha venceu a disputa, garantindo uma nova concessão por 70 anos; a empresa passou a chamar-se Anglo Iranian Oil Company. Em 1949, como o petróleo iraniano representava cerca de 75% dos lucros da AIOC, a empresa pagou ao governo iraniano em royalties cerca de metade do que pagou ao governo do Reino Unido apenas em impostos, tudo porque os britânicos recebiam um grande desconto no petróleo que os iranianos pagavam a preços de mercado. O acesso ilimitado da Grã-Bretanha ao petróleo do Irão assentou na ameaça de violência estatal. “Ainda em 1946”, escreve Garavini, “o Ministério dos Negócios Estrangeiros britânico e o Ministério da Energia haviam contemplado várias opções para manter o controle do petróleo iraniano [incluindo] o uso da força. Poderia decidir-se, se os persas não mantivessem a ordem, nós mantê-la-íamos ”.
Em março de 1951, o deputado do parlamento iraniano Mohammad Mossadegh liderou o movimento pela nacionalização da AIOC, que foi seguida por uma greve que, iniciada em Abadan, se tornou nacional. Um mês depois, Mossadegh foi nomeado primeiro-ministro, e a indústria de petróleo do país foi nacionalizada no 1º de maio. Após uma cruzada de dois anos da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos para derrubar Mossadegh, incluindo um embargo e um processo fracassado junto do Tribunal Internacional de Justiça, a CIA organizou, em 1953, um golpe com o código Operação Ajax, derrubando Mossadegh e devolvendo o Xá ao poder. O novo governo pró-Ocidente rapidamente restaurou o acesso dos EUA e do Reino Unido ao petróleo do Irão, e a AIOC passou a chamar-se British Petroleum.
O legado racista da BP vai muito para além do Irão. Ao denunciar o racismo entre os gerentes da BP em 1988, os trabalhadores do sindicato das refinarias dos EUA divulgaram um relatório ligando o racismo dos gerentes da empresa nos Estados Unidos ao seu apoio ao regime de apartheid da África do Sul. Como grande importadora de petróleo, a BP ajudou literalmente a abastecer o apartheid com a venda de vários tipos de combustível e lubrificantes para as forças militares e policiais da África do Sul. O desastre da BP Deepwater Horizon em 2010 - resultado, em grande parte, da gestão de cortes e ignorando os avisos de segurança - devastou a subsistência de pescadores negros na Costa do Golfo, vomitando petróleo durante 87 dias. Dez anos depois, essa indústria ainda não recuperou totalmente.
Em 2013, a empresa gastou US $ 13 milhões lutando contra uma modesta medida de precificação do carbono no estado de Washington. A iniciativa teria investido a receita de uma taxa gradualmente crescente de US $ 15 por tonelada sobre o dióxido de carbono numa série de programas de energia limpa e prioridades de justiça ambiental e climática. 35% desses fundos teriam sido aplicados em projetos com benefícios “diretos e significativos” para as comunidades de minorias étnicas em “áreas de poluição e saúde”, com os subsídios monitorizados por um Conselho de Supervisão Pública.
No início de 2020, ao ser nomeado CEO, Looney fez manchetes com uma promessa espalhafatosa de reduzir as emissões da empresa para zero até 2050, prometendo trazer a BP para o século XXI. (…) essa estratégia envolve décadas de investimentos adicionais em gás natural, que ainda emite muitos gases de efeito estufa; a estratégia também tem mais retórica do que compromissos concretos. Segundo a Rystad Energy, a BP - uma empresa que reportou cerca de US $ 280 mil milhões em receita em 2019 - investiu menos de US $ 1 bilião por ano em combustíveis sem carbono desde 2010. Internamente, a liderança da empresa é muito mais franca sobre o seu compromisso para com os combustíveis fósseis. “Provavelmente vamos estar no setor de petróleo e gás por muitas décadas”, disse Looney num vídeo, referindo-se à necessidade de pagar aos acionistas, “porque de que outra forma é que vai distribuir os dividendos de $ 8 mil milhões?”
Para enfrentar os desafios do momento, Looney diz aque a BP deve "cumprir o nosso objetivo", que é, supostamente, "melhorar a vida das pessoas". Mas, de facto, o objetivo da BP é extrair e queimar combustíveis fósseis, um facto refletido nos seus hábitos de consumo. Enquanto isso aocntecer - e não há razão para suspeitar que isto mude - a BP nunca estará do lado da descarbonização ou da justiça racial.»
Kate Aronoff, BP Is Not Woke. It’s an Imperialist Success Story, The history of fossil fuels is a history of extortion and injustice – The New Republic.
Sobre o golpe de Estado de 19 de Agosto de 1953 que, no Irão, depôs o primeiro-ministro democraticamente eleito e recolocou o Xá no poder de modo a fazer o frete à petrolífera, poderão ser consultadas as seguintes fontes escritas:
- Mark Curtis, Web of Deceit – Vintage 2003, pp 304-315
- William Blum, Killing Hope – Common Courage Press 1995, pp 64-72
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