Na década de 1930, o governo federal norte-americano criou mapas de centenas de cidades, classificando o risco de diferentes bairros para investimento imobiliário, como “melhores”, “ainda desejáveis”, “decadentes” ou “perigosos”. A raça foi preponderante: os bairros de negros e imigrantes foram normalmente classificados como “perigosos” e marcados a vermelho, denotando um lugar perigoso para se emprestar dinheiro. Durante décadas, as pessoas em zonas marcadas a vermelho não tiveram acesso a hipotecas e outros créditos com garantia federal, alimentando um ciclo de desinvestimento.
Em 2016, esses antigos mapas com linhas vermelhas foram digitalizados por historiadores da Universidade de Richmond, que os compararam aos das cidades de hoje e descobriram padrões impressionantes.
Em mais de 100 cidades, concluiu o estudo, bairros anteriormente marcados a vermelho são hoje 5 graus mais quentes no verão, em média, do que zonas outrora favorecidas para empréstimos imobiliários, com algumas cidades registando diferenças de até 12 graus. Bairros marcados a vermelho, que continuam a ser de rendimentos baixos e têm maior probabilidade de ter residentes negros ou hispânicos, têm muito menos árvores e parques que ajudam a refrescar o ar. Eles têm superfícies mais pavimentadas, com mais asfalto ou estradas nas proximidades, que absorvem e irradiam calor.
O calor é o desastre climático mais mortal do país, matando cerca de 12.000 pessoas por ano. Agora, à medida que o aquecimento global provoca ondas de calor cada vez mais intensas, cidades como Richmond estão a traçar planos para se adaptarem - confrontando um legado histórico que deixou as comunidades de cor muito mais vulneráveis ao calor.
Os avaliadores em Richmond não esconderam o seu racismo ao mapearem a cidade na década de 1930 como parte de um programa federal da era da Depressão para resgatar o colapso dos mercados imobiliários do país.
Todos os bairros negros, independente do seu nível de rendimento, foram marcados a vermelho e considerados área “perigosa” para empréstimos imobiliários. Os apontamentos dos avaliadores deixaram claro que a raça foi um fator chave para dar a esses bairros a nota mais baixa.
Uma parte da cidade foi marcada a amarelo e classificada como "em declínio" porque, segundo os avaliadores, as famílias negras às vezes passavam por lá.
Por outro lado, os bairros brancos, descritos como sendo habitados por “pessoas respeitáveis”, costumavam ser marcados a azul e verde e, subsequentemente, eram preferidos para investimentos.
Richmond, como muitas cidades, já era segregada antes dos anos 1930 por leis de zoneamento racial e pactos restritivos que impediam as famílias negras de se mudarem para bairros brancos. Mas estes mapas marcados aprofundaram os padrões de desigualdade racial nas cidades de todo o país de uma forma que se repercutiu por décadas. As famílias brancas poderiam obter mais facilmente empréstimos e assistência federal para comprar casas, acumulando riqueza para passar aos filhos. As famílias negras, muitas vezes, não podiam.
Essa desigualdade também terá influenciado os padrões de calor urbano. Bairros com proprietários brancos tinham mais influência para pressionar as câmaras a criar passeios e parques arborizados. Nos bairros negros, a posse de casa própria diminuiu e os proprietários raramente investiam em zonas verdes. Os planeadores da cidade designavam as áreas marcadas a vermelho como terrenos baratos para novas indústrias, estradas, armazéns e habitação social, construídas com muito asfalto que absorve calor e pouca vegetação de arrefecimento.
As disparidades no acesso ao financiamento habitacional “criaram um efeito de bola de neve que se agravou ao longo de gerações”, diz Nathan Connolly, historiador da Johns Hopkins que ajudou a digitalizar os mapas.
O Congresso proibiu o zonamento vermelho na década de 1970. Mas a prática deixou marcas duradouras nas cidades.
Brad Plumer e Nadja Popovich, NYTimes.
Este video da PBS merece ser visto.
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