segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Bico calado

  • «(…) Não deve haver nada mais inglório do que acabar uma carreira de 24 anos de jornalismo num gabinete de um director de recursos humanos. Não deve haver nada mais inglório do que ter de enfrentar sozinha um destes seres anónimos e transitórios, sem uma única palavra de explicação, de apoio e de solidariedade de quem devia e podia. Não deve haver nada mais inglório do que ser destratada e desconsiderada e humilhada e coagida a assinar um contrato de rescisão, tudo menos amigável. (…) Cometi um erro: foi levar o jornalismo demasiado a sério, quando ele não queria ser levado a sério. Não, cometi dois erros: o de a certa altura da minha vida ter colocado o jornalismo à frente de tudo. Da literatura, sim (comecei a escrever muito tarde), dos meus próprios filhos, quando eram pequenos - e isto dói. Terceiro erro (há sempre um terceiro): estava sempre tão atolada em trabalho, tão concentrada nas reportagens, nas entrevistas, numa correria, cheia de entusiasmos - o que não faz mal nenhum porque era muito nova, tinha muita energia, mas tinha muita ingenuidade também. Resultado: nunca dei conta, a tempo, de como a incompetência e falta de talento estão associadas, por sua vez, a um talento desmesurado para a intriga e para o 'mau coleguismo'. Palavra que não fazia ideia de que a inveja podia ser uma força tão mobilizadora. No jornalismo conheci as piores pessoas, as mais cobardes, as mais desleais, as mais mesquinhas, as mais medíocres, as mais desinteressantes, as mais incompetentes, as mais desonestas, algumas nem sabia que podiam existir (achava que era só nos livros, enfim)... Mas depois conheci pessoas maravilhosas que se tornaram amigas de infância. E isso vale tudo e apaga o resto.(…)» Ana Margarida de Carvalho, via CPI

  • «”As tropas obrigaram o povo a bater as palmas, para se despedir da vida, visto que ia morrer, ordem a que o povo obedeceu. Enquanto batia as palmas, os soldados abriram fogo sobre a população reunida, fuzilando homens, mulheres e crianças. Juntaram os corpos, cobriram-nos de capim e deitaram-lhes fogo. (...) Um grupo de soldados juntou uma parte do povo num pátio, para o fuzilamento. (...) Um soldado chamava por sinal a quem quisesse (homem, mulher ou criança). O designado punha-se de pé, destacava-se do conjunto, o soldado disparava sobre ele e a vítima caía fulminada. Este foi o processo que fez mais vítimas. Muitas crianças morreram ao colo das suas mães, fuziladas juntamente com elas.” (Relatório dos padres da missão de S. Pedro, em Tete, acerca do massacre pelos comandos portugueses, entre 16 e 18 de Dezembro de 1972, de centenas de civis de várias aldeias de Wiriyamu)». Ana Barradas, Ministros da noite – Antígona 1995 

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