quinta-feira, 25 de junho de 2020

Bico calado

  • Suketu Meta (10): «A City de Londres funciona de facto como o maior paraíso fiscal do mundo. É uma corporação, com a sua própria constituição, uma entidade legal separada do resto de Londres e até do Reino Unido. Até a rainha Elizabeth, quando deseja entrar na cidade, é recebida na fronteira pelo “lord mayor”, que a envolve num ritual de entrada. A City de Londres tem um curioso sistema de votação, com cerca de 9.000 votos atribuídos aos seres humanos que lá vivem e mais do dobro deste número atribuído às empresas que se estabeleceram na milha quadrada. (…) Os países pobres perdem três vezes mais em paraísos fiscais do que os 125 mil milhões de dólares de ajudas que recebem. Há cerca de sessenta paraísos fiscais no mundo, a maioria deles controlados pelo Ocidente. O dinheiro contrabandeado da África Subsaariana para eles cresce 20% ao ano. Em 2011, os paraísos fiscais detinham US $ 4,4 triliões da riqueza de todos os países pobres. É uma riqueza que devia ser investida para cultivar, educar crianças e desenvolver cidades nos países pobres. Em vez disso, está no Luxemburgo e na City de Londres.» Suketu Mehta, This land is our land – an immigrant’s manifesto – Penguin 2019.
  • «O Museu Americano de História Natural de Nova York anunciou que vai remover a sua famosa estátua do presidente Teddy Roosevelt da sua entrada. O presidente do museu sublinhou que a decisão foi tomada com base na "composição hierárquica" da estátua - Roosevelt está a cavalo, ladeado por um africano e um índio a pé - em vez de apenas retratar Roosevelt. O museu, cofundado pelo pai de Roosevelt, manterá o nome de Roosevelt np seu Salão Memorial Theodore Roosevelt, na Rotunda Theodore Roosevelt e no Parque Theodore Roosevelt. Isso sugere que os americanos ainda não se confrontaram com o lado negro da história de Roosevelt. Roosevelt nasceu em 1858 numa família rica de New York. Quando o seu pai morreu,  Roosevelt estudava em Harvard, ele herdou o equivalente hoje a cerca de US $ 3 milhões. Na casa dos vinte anos, Roosevelt investiu uma porcentagem significativa desse dinheiro em negócios de gado no oeste. Isso levou-o a passar grandes temporadas em Montana e nos Dakotas nos anos imediatamente antes de se tornarem estados em 1889. Durante esse período, Roosevelt desenvolveu uma atitude em relação aos índios americanos que pode ser descrita como genocida. Num discurso de 1886 em New York, ele declarou: “Não me custa pensar que o único bom índio é o índio morto, mas acredito que nove em cada dez são e não gostaria de investigar muito de perto o caso do décimo. O cowboy mais cruel tem mais princípios morais do que o índio médio. Peguem em trezentas famílias reles de New York e New Jersey, apoiem-as, durante cinquenta anos, numa ociosidade viciosa, e terão uma ideia do que são os índios. Impetuosos, vingativos, cruéis. Nesse mesmo ano, Roosevelt publicou um livro em que escreveu que “o chamado Massacre de Chivington ou Sandy Creek, apesar de certos detalhes mais questionáveis, foi, no fundo, uma ação justa e benéfica”. O massacre de Sand Creek tinha acontecido 22 anos antes no Território do Colorado, arrasando uma comunidade com mais de 100 pessoas das tribos de Cheyenne e Arapaho. Foi em todos os aspectos comparável ao massacre de My Lai durante a Guerra do Vietname. Nelson A. Miles, um oficial que viria a ser o principal general do Exército, escreveu nas suas memórias que "era talvez o crime mais sujo e injustificável dos anais da América". O ataque foi liderado pelo coronel John Chivington, que disse: “Vim matar índios. ... Matar e escalpelar tudo, grande e pequeno." Mais tarde, os soldados relataram que, depois de matar homens, mulheres e crianças, mutilaram os seus corpos para troféus. Um tenente afirmou numa investigação do Congresso que "ouvi dizer que os soldados do antílope branco tinham sido cortados para fazer um saco de tabaco". Num livro posterior, "The Winning of the West", [A conquista do Oeste] Roosevelt explicou que as ações dos EUA em relação aos índios americanos faziam parte do grande e nobre esforço do colonialismo europeu: "Todos os homens de pensamento sadio têm que rejeitar com desprezo a ideia de que estes continentes têm de ser reservados para o uso de tribos selvagens dispersas. (...) Felizmente que os homens duros, enérgicos e práticos que cumprem o duro trabalho pioneiro da civilização em terras bárbaras, não são propensos a falsos sentimentalismos. Essa gente tipo donas de casa são demasiado egoístas e indolentes, sem imaginação para entender a importância racial do trabalho que os seus irmãos pioneiros realizam em terras selvagens e distantes. (...) A mais justa de todas as guerras é uma guerra com selvagens. (...) Americanos e índios, Boers e Zulus, Cossacos e Tártaros, Neozelandezes e Maoris - em todos os casos, o vencedor, por mais horríveis que sejam muitos dos seus atos, lançou as bases da futura grandeza de um povo poderoso." Não é exagero considerar isto hitleriano. E, embora seja extremamente impopular dizer isto, o nazismo não foi apenas retoricamente semelhante ao colonialismo europeu, foi uma consequência disso e o seu ponto culminante lógico. Num discurso em 1928, Adolf Hitler já falava de maneira aprovadora sobre como os norte-americanos “abateram os milhões de Redskins [Índios], reduzindo-os para algumas centenas de milhares e agora mantêm os modestos restantes sob observação numa gaiola”. Em 1941, Hitler confidenciou a simpatizantes sobre os seus planos para "europeizar" a Rússia. Não eram apenas os alemães que fariam isso, disse, mas escandinavos e norte-americanos, "todos aqueles que têm um sentimento pela Europa". O mais importante era "encarar os nativos como Redskins". O que isto significa para as inúmeras celebrações de Roosevelt nos EUA depende de nós. Mas se agirmos honestamente, enfrentaremos um acerto de contas com algo ainda mais monumental do que a história da América.» Jon Schwarz, in As Teddy Roosevelt’s statue falls, let’s remembre how truly dark his histoty wasThe Intercept.
  • Trump assinou um projeto de lei atribuindo ao Congresso a capacidade de sancionar líderes chineses pela detenção em massa de uigures e outras minorias. Mas esta votação histórica foi ofuscada por trechos recente do livro do ex-conselheiro do presidente John Bolton, alegando que Trump disse ao presidente chinês Xi Jinping que a construção dos campos de detenção era a "coisa certa a fazer". ICIJ.
  • «Na opinião da maioria dos partidos do parlamento alemão a saída de Ursula von der Leyen do governo em Berlim para a presidência da Comissão Europeia em Bruxelas foi uma 'fuga' às investigações ao seu 'fracasso total como ministra', sob suspeita de 'má gestão' e de 'esbanjamento de fundos públicos' com 'indícios de corrupção'. Com o envio de Durão Barroso para presidente da Comissão Europeia, ou de Constâncio para vice-presidente do Banco Central Europeu, pode dizer-se que Portugal é há muito um pioneiro da estratégia alemã para a EuropaMiguel Szymanski, in Portugal e a Alemanha: olhos nos olhos, FB.
  • As administraçõesde várias empresas estão a distribuir milhões pelos seus principais executivos antes de declararem falência, e os tribunais não podem fazer muito sobre isso, titula o NYTimes.
  • O ‘Vouguinha’, comboio da CP que faz a ligação entre Espinho e Oliveira de Azeméis, na Linha do Vouga, não conseguiu chegar ao seu destino porque ficou sem combustível. O incidente gerou revolta porque não foi a primeira vez que aconteceu, havendo registo de ocorrências semelhantes em abril deste ano e em agosto de 2018. CM.

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