quarta-feira, 27 de maio de 2020

Reflexão - «Raça, riqueza e espaços públicos: as praias dos EUA são um novo ponto quente do confinamento»


As praias tornaram-se uma questão polarizadora durante a pandemia. Especialistas dizem que é porque um 'frenesim de privatização' criou espaços públicos menores e mais lotados, escreve Ankita Rao, no The Guardian.

Quando as praias da Flórida foram encerradas em abril por imposição do confinamento, muita gente fez das ruas e dos passeios e parques locais para descansarem e usufruírem o sol.
Neste momento, as praias tendem a evocar mais reação e raiva do que parques e outros espaços públicos. Isto acontece porque, segundo os especialistas, a costa dos EUA está cada vez mais privada e controlada por menos e mais ricas pessoas.
"Passamos de um tempo, antes da Segunda Guerra Mundial, em que grande parte da costa americana era tratada como domínio público, para um frenesim de privatizações que devora a costa", diz Andrew Kahrl, professor da Universidade da Virgínia.
No início do século 19, as praias dos EUA eram em grande parte públicas e habitadas por comunidades costeiras da classe trabalhadora, muitas delas de pescadores afro-americanos, diz Kahrl. O litoral não era cobiçado, porque era difícil manter uma propriedade perante forças naturais como furacões e maré alta. Entretanto, em 1970, mais de 95% da costa dos EUA, adequada para recreio, estava fechada ao público em geral. Para além disso, muitos municípios impuseram taxas de estacionamento e estradas com portagem para limitar a entrada.
O resultado é que as nossas praias públicas ficaram mais pequenas e mais lotadas, enquanto um pequeno grupo de elites abastadas detém as chaves do resto da costa. Durante a pandemia, essa dicotomia tornou-se ainda mais óbvia. As autoridades de saúde pública promovem exercícios e ar fresco durante o confinamento, e os virologistas disseram que é seguro andar ao ar livre se houver distanciamento físico. Acontece, porém, que 100 milhões de americanos, especialmente pessoas de cor e comunidades pobres, não têm acesso a um parque ou espaço público decente, inclusive praias.
Mais que os parques, as praias públicas tendem a reunir pessoas de diferentes origens, principalmente nas férias. Numa uma praia pública a diversidade contrasta fortemente com a de uma praia privada, que favorece os brancos e ricos.
O aumento do policiamento nas praias sobrecarrega as comunidades negras, que são mais propensas a ter interações tensas com a aplicação da lei. Já este ano, em Los Angeles e Miami, a NAACP denunciou o facto de banhistas negros terem supostamente sido abordados de forma agressiva pela polícia.
Durante a pandemia, as praias viram-se envolvidas na divisão política entre os estados republicanos que abrandaram as restrições desde o início e os estados dirigidos por democratas, que foram muito mais cautelosos. Neste caso, estados como a Flórida e a Carolina do Sul, que possuem longas costas e governadores republicanos, abriram as suas praias enquanto as pessoas no nordeste, governadas pelos democratas, permaneciam em casa.
Agora, como muitas comunidades no nordeste começam abrir-se, elas decidiram manter as  suas costas fechadas a gente de fora. No Connecticut, as praias exigem passes residenciais para estacionar perto da costa. Em Long Island, um grupo de subúrbios perto de New York, as autoridades tornaram claro que as pessoas da cidade não são bem-vindas.
Oyster Bay, uma aldeia tranquila em Long Island, com praias particulares, normalmente permite que não residentes a visitem nos dias de semana, mas não nos fins-de-semana. No entanto, durante toda a pandemia, todas as suas praias permaneceram fechadas para pessoas de fora.
Joseph Saladino, responsável pela Oyster Bay, diz que a aldeia ergueu barreiras na estação de comboio local e nos pontos de entrada para a praia para garantir que apenas os moradores podem entrar. "Pensamos que a praia oferece um lugar para recreio, mas também uma espécie de renovação emocional", dafirma Saladino. Mas sublinha que as restrições são necessárias para manter a capacidade abaixo de 50% e proteger os moradores que pagam impostos em Oyster Bay.
Os defensores do espaço público concordam que há um risco real de os banhistas colocarem em risco a saúde pública - jovens em Miami durante as férias de primavera, em março, por exemplo, propagaram a Covid-19 para outras partes do país porque as praias estavam completamente desreguladas e não havia restrições de distanciamento.

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