domingo, 5 de abril de 2020

Bico calado

  • Como os generais alimentaram a pandemia de gripe de 1918 para vencer a sua guerra mundial, por Gareth Porter, in The American Conservative: «(…) Na quinta-feira, Brett E. Crozier, o capitão do porta-aviões USS Theodore Roosevelt, no qual o vírus estava a espalhar-se, foi demitido. Foi acusado pelos seus superiores pela divulgação de uma carta que escreveu avisando a Marinha de que a ausência de uma intervenção ameaçava a saúde dos seus 5.000 marinheiros. O secretário de Defesa Mark Esper justificou a sua decisão de continuar as muitas atividades militares, como de costume, declarando que essas atividades eram "essenciais para a segurança nacional". (…) As decisões de Esper refletem um hábito profundamente arreigado do Pentágono de proteger os seus interesses militares à custa da saúde das tropas americanas. Esse padrão de comportamento lembra o caso muito pior dos chefes de serviço dos EUA que geriam a guerra na Europa. Eles agiram com uma insensibilidade ainda maior em relação às tropas que foram convocadas para a guerra na Europa durante a devastadora pandemia da "gripe espanhola" de 1918, que matou 50 milhões de pessoas em todo o mundo. Chamou-se "gripe espanhola" apenas porque, enquanto os Estados Unidos, o Reino Unido e a França censuravam as notícias sobre a propagação da pandemia nos seus países para manter a sua moral doméstica, a imprensa na Espanha neutra reportava livremente casos de gripe lá dentro. Mas, de facto, a primeira grande vaga de infeções nos Estados Unidos ocorreu nos campos de treino dos EUA criados para intervir na guerra. São abundantes as provas documentais que mostram que a pandemia de 1918 começou realmente em Haskell, no Kansas, no início de 1918, quando muitos residentes foram afetados por um tipo de gripe invulgarmente grave. Alguns foram enviados para Camp Funston, em Riley, Kansas, a maior instalação de treino militar, preparando 50.000 recrutas de cada vez para a guerra. Em duas semanas, milhares de soldados ficaram doentes com o novo vírus da gripe e 38 morreram. Recrutas em 14 dos 32 grandes campos de treino militar montados em todo o país para alimentar a guerra dos EUA na Europa reportaram surtos semelhantes de gripe, aparentemente porque algumas tropas de Camp Funston tinham sido enviadas para lá. Em maio de 1918, centenas de milhares de tropas, muitas das quais já infetadas, começaram a embarcar em navaios com destino à Europa, e a aglomeração a bordo dos navios criou condições ideais para a explosão do vírus. Nas trincheiras de França, mais tropas americanas continuaram a adoecer do vírus, primeiro com doenças mais leves e relativamente poucas mortes. Mas a hierarquia militar apenas evacuou os doentes e trouxe novos substitutos, permitindo que o vírus se adaptasse e se transformasse em estirpes mais virulentas e mais letais. As consequências dessa abordagem para a guerra tornaram-se evidentes após a chegada, em 27 de agosto ao porto de Boston, quando os visitantes trouxeram uma estirpe muito mais virulenta e letal do vírus, que invadiu rapidamente Boston e, em 8 de setembro, apareceu em Camp Devens, fora da cidade. Em dez dias, o campo tinha milhares de soldados doentes com a nova estirpe, e alguns dos infetados no campo embarcaram em navios para a Europa. Esta nova variedade letal espalhou-se de Camp Devens pelos Estados Unidos entre setembro e outubro, devastando uma cidade após outra. A partir de setembro, o comando dos EUA na França, liderado pelo general John Pershing, e as altas patentes do ministério da Guerrra em Washington, estavam cientes de que as tropas americanas na Europa e o público americano estavam a sofrer um grande número de doenças graves e morte da pandemia. No entanto, Pershing continuou a pedir um grande número de rendições para os infetados nas linhas da frente, bem como para novas divisões lançarem uma grande ofensiva no final do ano. (…) O debate interno que se seguiu a este pedido, relatado pela historiadora Carol R. Byerly, revela a indiferença assustadora de Pershing e da burocracia militar em Washington sobre o destino das tropas americanas que preparavam para enviar para a guerra. Depois de assistir ao horror de soldados infetados letalmente morrerem de pneumonia nos campos infetados, o cirurgião-geral Charles Richard aconselhou veementemente o chefe do Estado-Maior do Exército Peyton March, no final de setembro, contra o envio de tropas dos campos infetados para a França até que a epidemia fosse controlada na região, e March concordou. Richard pediu então para se interromper a convocação de jovens que se dirigiam para qualquer campo identificado como infetado. March não teve grande sucesso, uma vez que, depois da suspensão das convocatórias em outubro, elas viriam a ser retomadas em novembro. O ministério da Guerra reconheceu o pesado tributo que a pandemia estava a causar às tropas americanas em 10 de outubro, informando Pershing de que ele receberia as suas tropas até 30 de novembro, "se não formos impedidos por causa da gripe, que já ultrapassou os 200.000". Richard mandou que as tropas ficassem de quarentena durante uma semana antes de serem enviadas para a Europa, e que os navios levassem apenas metade do número normal de tropas para reduzir a aglomeração. Quando March rejeitou estas medidas, o que tornaria impossível o cumprimento dos objetivos de Pershing, Richard recomendou que todas os embarques de tropas fossem suspensos até que a pandemia de gripe fosse controlada, "exceto aquelas exigidas por urgente necessidade militar". Mas o chefe de gabinete rejeitou mudança tão radical e foi à Casa Branca para obter a aprovação do presidente Woodrow Wilson. Wilson, obviamente reconhecendo as implicações de avançar nessas circunstâncias, perguntou por que ele se recusava a interromper o transporte de tropas durante a epidemia. March argumentou que a Alemanha poderia sentir-se encorajada a continuar se soubesse que "as tropas americanas não estavam a chegar". Wilson então aprovou a sua decisão, recusando-se a perturbar os planos de guerra de Pershing. Mas a decisão não se concretizou completamente. O Supremo Comando Alemão já tinha exigido que o Kaiser aceitasse os 14 pontos de Wilson, e o armistício foi assinado em 11 de novembro. O caráter desastroso da elite dos EUA que dirigia a Primeira Guerra Mundial é claramente revelado pelo facto surpreendente de que a gripe hospitalizou e matou mais soldados americanos do que os combates. Estima-se que 340.000 soldados americanos foram hospitalizados com gripe/pneumonia, em comparação com 227.000 hospitalizados por ataques alemães. A falta de preocupação dos burocratas de Washington pelo bem-estar das tropas, de modo a concretizar os seus próprios interesses de guerra, parece ser um padrão comum – coisa já vista nas guerras dos EUA no Vietname, Afeganistão e Iraque. Agora, essa falta de preocupação foi revelada mais uma vez na resposta incrivelmente insensível do Pentágono perante a crise da pandemia do coronavírus. Na guerra de 1918, não houve protestos contra essa indiferença fria, mas agora há indícios de que as famílias de soldados em risco estão a expressar abertamente a sua raiva para com representantes das forças armadas. Num momento de convulsão sociopolítica e erosão da tolerância em relação à continuação de uma guerra sem fim, isso poderia ser um precursor do desenrolar acelerado da tolerância política pelo poder excessivo do estado de guerra.»
  • O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, visitou uma produção de tomate na Lezíria Grande de Vila Franca de Xira para mostrar o país que está a produzir e dar uma palavra de ânimo aos trabalhadores agrícolas, reporta o Notícias ao Minuto.
  • «(…) Os trabalhadores agrícolas foram considerados trabalhadores essenciais - sem eles não há comida. Isso coloca os trabalhadores numa situação terrível: eles não podem dar-se ao luxo de ficar doentes ao irem trabalhar e não podem dar-se ao luxo de perder o emprego por não trabalharem. E assim eles trabalham, protegidos por pouco mais do que esperança. A mensagem para os trabalhadores agrícolas do nosso país [EUA] é claríssima: embora o vosso trabalho seja essencial, vocês são dispensáveis. Isso está errado, tanto moralmente como para a segurança alimentar de nossa nação. Não podemos tratar as pessoas que colhem os nossos alimentos como dispensáveis. Tal como os profissionais de saúde e médicos de emergência, eles estão a colocar-se em perigo para o resto de nós. (…) A ameaça para os trabalhadores agrícolas é uma ameaça para todos nós - não só porque, para citar o Dr. Martin Luther King Jr., estamos todos “amarrados num único fato de destino”, mas também porque os trabalhadores agrícolas nos alimentam a todos. Sem trabalhadores agrícolas não há comida. Tão simples como isto.» Greg Asbed, in The NYTimes.

1 comentário:

OLima disse...

Acting Navy Secretary Resigns After Outcry Over Criticism of Virus-Stricken Crew
Thomas B. Modly’s departure is the latest in a string of events that engulfed the Navy in a public relations disaster.
— Thomas B. Modly, the acting Navy secretary, resigned Tuesday after his bungled response to an outbreak of the novel coronavirus aboard the aircraft carrier Theodore Roosevelt engulfed the Navy in a command crisis and a public relations disaster.

Defense Secretary Mark T. Esper accepted Mr. Modly’s resignation Tuesday morning, as a growing chorus of lawmakers and former military officials called for the firing of the acting Navy secretary, who single-handedly turned a health issue into a crisis of morals and morale for the Navy.
Mr. Modly became the acting Navy secretary after Mr. Trump fired Richard V. Spencer in November. He will be succeeded by yet another acting secretary, Mr. Esper said. The move continues the revolving door of appointees that has characterized the Defense Department’s civilian leadership since Mr. Trump came to power.

Next up for the Navy’s top civilian job, Mr. Esper said, will be Jim McPherson, the current Army under secretary.

https://www.nytimes.com/2020/04/07/us/politics/coronavirus-navy-captain-firing.html