terça-feira, 3 de setembro de 2019

Reflexão –Enquanto a Amazónia arde (5)


Os incêndios na Amazónia marcam o fim do REDD (Reducing Emissions from Deforestation and Forest Degradation; em português, Redução de emissões decorrentes do desmatamento e da degradação de florestas), por Lauren Gifford, in REDD Monitor.

Lauren Gifford, é uma geógrafa de ambiente humano especialista em política climática e conservação de florestas na Amazénia desde 2007.

À medida que a floresta amazónica arde e atinge o que alguns cientistas chamam de “ponto de inflexão”, apara além do qual nunca recupere, é hora de propor o fim à experiência REDD +, o mecanismo de desenvolvimento projetado para compensar a poluição por dióxido de carbono através de investimento em conservação de florestas tropicais. A tentativa de reduzir as emissões da desflorestação e degradação falhou.
Os incêndios na Amazônia brasileira são, em parte, processos típicos do ecossistema florestal, como alguns especialistas em florestas têm dito. Mas eles também são o produto de forças económicas e políticas complexas, lideradas por um regime político anti-indígena, faminto por dinheiro e poder. Não devemos esquecer a retórica política que provocou a violência neste ecossistema inestimável, e as pessoas que dependem disso para sobreviver.
Desde que assumiu o cargo em 1 de janeiro, o presidente brasileiro Jair Bolsonaro estimulou o sentimento anti-indígena. Ele falou sobre o valor dos recursos na Amazónia e considerou as comunidades indígenas e dependentes da floresta como obstáculos à extração e acumulação de capital. Ele negou as reivindicações de posse de terras indígenas e incentivou o assassinato, abuso e deslocalização violenta de comunidades indígenas. Os incêndios a que assistimos são o resultado direto do incentivo de Bolsonaro para as indústrias extrativas tirarem o que quiserem; os incêndios são a imagem principal do desprezo patrocinado pelo Estado pela cultura, ecologia e biodiversidade da Amazónia. Eles são a personificação do capitalismo e do fascismo sem freio.
O REDD foi projetado para incentivar os proprietários de terras a manter florestas em troca de pagamentos que eclipsavam os lucros da desflorestação e usos subsequentes da terra, como agricultura ou pastagem. Mas o REDD nunca foi projetado para combater a violência generalizada sancionada pelo Estado. Se as pessoas que gerem as florestas estão mortas ou despojadas, quem resta para proteger a terra do desenvolvimento e do extrativismo?
Os incêndios na Amazónia denunciam a falácia do REDD em proteger as florestas e sequestrar o carbono desonesto. O envolvimento contínuo com o REDD mostra como as ONGs e os governos estão, no fundo, estritamente motivados pelo negócio do desenvolvimento - a redistribuição do capital sob o disfarce de virtude - e menos preocupados com a ação climática, e a proteção das florestas e das comunidades que dependem delas. As ONGs cada vez mais marcam os “co-benefícios” para os projetos de REDD, onde o financiamento da conservação é gasto numa série de projetos bonitinhos envolvendo equidade de género, silvicultura baseada na comunidade ou melhoria dos meios de subsistência locais. Mas esses são projetos de desenvolvimento, e as investigações que eu e outras pessoas fizeram mostraram que eles fazem pouco para combater a crise climática ou o sequestro de carbono.
Há cerca de 12 anos, o REDD foi adotado pela comunidade de políticas climáticas globais como um mecanismo de desenvolvimento ambiental que serviria o duplo objetivo de proteger as florestas tropicais ameaçadas, enquanto abordava as concentrações de carbono na atmosfera. Os poluidores investiriam na conservação da floresta, o que protegeria contra a desflorestação   e a degradação florestal, o que, por sua vez, promoveria o aumento do sequestro de carbono, removendo assim o carbono causador da crise climática. Cada tonelada de carbono é contabilizada, valorizada e creditada, e o carbono florestal sequestrado negociado nos mercados internacionais de carbono - permitindo que os poluidores equilibrem os seus orçamentos regulatórios de carbono, ou se orgulhem de tomar medidas para a neutralidade do carbono. Mapas de sumidouros de carbono vivo acima do solo (ie árvores) foram divulgados mostrando o Brasil como “a Arábia Saudita do carbono vivo”, como um dos meus professores de pós-graduação chamou, aludindo à quantidade de dinheiro que poderia circular a partir da venda de créditos de carbono florestal da Amazónia.
Embora tenha havido alguns projetos de vitrine “bem-sucedidos” na América Latina e no Sudeste Asiático, em geral o REDD não cumpriu as suas promessas. Porém, a desilusão no mecanismo de REDD é um assunto tabu em muitos círculos de desenvolvimento e conservação.
Durante anos, muitos líderes de governo, ONGs e académicos rejeitaram as críticos ao REDD como pessimistas de esquerda. De facto, muitos professores que orientaram a minha investigação, foram rápidos em marginalizar as críticas ao REDD considerando-as argumentos para ativistas e pessoas desinteressadas em soluções “reais” para a crise climática.
Como crítica de longa data do REDD, encontrei uma resistência significativa de académicos, voluntários de ONGs e líderes governamentais que estão empenhados em ver o REDD passar. A minha experiência não é única. A raiva dos críticos de REDD, e mesmo daqueles que simplesmente levantam muitas questões, ocupou uma grande parte de uma recente reportagem da ProPublica sobre os fracassos do REDD. Eu ainda não entendo o nível de investimento institucional e pessoal num mecanismo de desenvolvimento que falhou. Por que é que o REDD é a espada sobre a qual tantos praticantes do desenvolvimento estão dispostos a dar a vida?
Quando eu considero o REDD um problema, muitas vezes perguntam-me «Então, qual é a solução?» A minha resposta é: «A solução para o quê? Que motivações tem para participar num um projeto de compensação de carbono florestal? Qual é o seu obejtivo final?» Se o seu objetivo é apoiar o sequestro de carbono em larga escala para lidar com a crise climática, o REDD não é a resposta. Se você quer dinheiro para apoiar projetos de desenvolvimento baseados em florestas, então o REDD está bem para isso. Mas não lhe chame de mitigação climática quando não é.
Muitos países e empresas envolvidas em esquemas de mercado de carbono investiram no REDD para créditos de compensação de carbono florestal. A Noruega é um dos maiores investidores, como parte de sua Iniciativa Climática e Florestal Internacional, mas o estado norte-americano da Califórnia também está envolvido no REDD. Apesar do significativo retrocesso, o California Air Resources Board ainda pensa apoiar o seu “Tropical Forest Standard”, que permitiria investimentos em projetos do REDD como compensações ligadas ao mercado de carbono do estado. Isso é significativo porque os créditos do REDD permitem que os poluidores da Califórnia continuem a poluir localmente, enquanto investem em projetos de conservação florestal no sul global, muitas vezes na Amazónia.
Como os incêndios na Amazónia continuam a queimar, as comunidades indígenas são brutalizadas e marginalizadas. No entanto, os negociantes de créditos de carbono do REDD não sentirão o impacto. O mecanismo tem contingências e apólices de seguro para proteger contra coisas como vazamento (quando a desflorestação é prevenido num lugar, mas ocorre noutro) e impermanência (coisas como infestação de pragas, ou ... incêndios). O REDD oferece indemnização pelo investimento financeiro, mas não indenização pelo meio ambiente. Os poluidores cujos orçamentos de carbono dependem dos créditos dos projetos de REDD da Amazônia? Eles têm apólices de seguro para cobrir as suas perdas. É pena o planeta não ter o mesmo. O REDD está morto.

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