segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Reflexão: David Attenborough não merece a tribuna do povo na próxima cimeira do clima?

Pico, Açores.

David Attenborough não merece subir à tribuna do Povo na próxima cimeira do clima em Katowice, Polónia, argumenta Paul Renteurs, no The Independent de 24nov2018.

Este ano um dos lugares da cimeira vai ser ocupado não por um político ou funcionário público, mas pelo Povo. As Nações Unidas já identificaram o homem perfeito para falar em seu nome: Sir David Attenborough receberá os conferencistas à lareira e embalá-los-á em tons suaves e soporíferos, com as preocupações das “pessoas reais”. 
Desconfio sempre de gente que diz que fala pelo povo. Dizer isso é assumir a homogeneidade do pensamento único, o que é perigoso e chato. A minha desconfiança adensa-se quando se vê que Sir David faz parte dessa cultura que favorece o apelo às massas sobre a perícia, o estilo sobre a substância e os sentimentos sobre o conhecimento. Podem dizer que Sir David irá apresentar dados fornecidos por pessoas do mundo inteiro sobre os impactos negativos das alterações climáticas, mas por que motivo não deixam essas mesmas pessoas falar por si próprias? Os recursos tecnológicos de que dispomos permitiriam divulgar os pontos de vista de cada uma dessas pessoas sem necessidade de serem transmitidas por um ventríloquo. Mais: não consta que Sir David Attenborough seja perito em alterações climáticas. 
Numa recente entrevista à BBC, Sir David fez questão de salientar que o objetivo desta iniciativa era lembrar aos políticos “que este não é um empreendimento teórico” – aparentemente não compreendendo que, por uma questão de ciência, o empreendimento de combater as alterações climáticas é quase todo teórico. 
O propósito de conferências como a COP24, por mais árido e fútil que possa parecer, é transformar a teoria, o conhecimento e a compreensão de especialistas em mudanças práticas e efetivas. “As pessoas” - quem quer que elas sejam - não trazem nenhuma contribuição útil para este processo, especialmente numa época em que, de forma tão consistente, mostraram ser incapazes de fazer boas escolhas.
O coquetel de superficialidade, o menosprezo pela perícia e a suposição de consenso que produziu este truque de sorte tem um nome: chama-se populismo.

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