«A ONU estima que, em 2050, 250 milhões de pessoas serão severamente afectadas pelas alterações climáticas. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) fala de mais de 20 milhões de pessoas que se encontram nesta situação, só na última década. A Cruz Vermelha estima que sejam 25 milhões. Números à parte, vejamos os factos.
A Convenção sobre o Estatuto de Refugiado de 1951, com a revisão do protocolo de 1967, apresenta um conceito muito específico de refugiado. O refugiado tem de ser uma pessoa perseguida por razões de raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, que está fora do seu país e não pode pedir a sua protecção.
Muito embora se oiça frequentemente a expressão “refugiado climático”, a verdade é que juridicamente o estatuto não existe. Estas pessoas são, actualmente, consideradas migrantes económicos. Isto apesar da discussão recorrente nas últimas duas décadas e de muitas definições informais discutidas em grupos de trabalho e fóruns internacionais.
Hoje é comummente aceite que os “refugiados ou deslocados ambientais” são as pessoas forçadas a deixar o lugar em que vivem, em virtude de eventos climáticos e ambientais, que colocam em perigo a sua existência ou afectam seriamente a sua condição de vida.
Mas o que são eventos climáticos? Têm de ser extremos como o afundamento de países (por exemplo Kiribati)? Ou poderão ser questões como a erosão dos solos, o aquecimento da água do mar, a contaminação da água potável, a destruição da biodiversidade, a que assistimos um pouco por todo o mundo?
Em 2013/2014 o mundo seguiu atentamente o que se passava na Nova Zelândia. Dois casos apareciam nas notícias mundiais: Siego Alesana, do Tuvalu, e Ioane Teitiota, do Kiribati. Ambos fugiam dos seus países insulares, que se estão a afundar. Os desfechos dos casos foram diferentes, uma vez que Siego Alesana viu o seu estatuto de imigrante ser regularizado, enquanto Ioane Teitiota, que tinha pedido asilo alegando ser um refugiado climático, viu o seu pedido ser recusado pelo Supremo Tribunal da Nova Zelândia. E isso ilustra bem as discrepâncias das respostas e a controvérsia da questão dos refugiados climáticos. Depois da polémica internacional, a Nova Zelândia admitiu criar uma nova categoria de visto humanitário para pessoas que moram em regiões do Pacífico vulneráveis ao aumento do mar, que seria limitado a 100 pessoas anualmente. (…)
Não havendo “refugiados climáticos”, actualmente quais poderão ser as estratégias à luz do direito internacional? A modificação da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados ou a própria Convenção-Quadro sobre as Alterações Climáticas, para incluir a protecção dos refugiados ou deslocados climáticos ou a elaboração de uma nova convenção internacional específica, são opções a ser estudadas. A União Africana já avançou com um texto regional que assegura alguma protecção aos deslocados ambientais. Existe também um projecto de Convenção Internacional sobre o Estatuto Internacional dos Deslocados Ambientais, proposto por um grupo de juristas franceses. Outras estratégias mais polémicas sugerem a criação de enclaves noutros países para acomodar esses “refugiados”. Isto apesar de a história nos ensinar quão complexos e conflituosos podem ser os enclaves.
Os motivos políticos profundos por detrás da não consagração do conceito de refugiado climático são claros, uma vez que a revisão do conceito de refugiado para abranger as pessoas afectadas pelas alterações climáticas obrigaria os Estados a aceitarem conceder protecção por tempo indeterminado, como qualquer refugiado. E isso numa escala de centenas de milhões, em vez das dezenas de milhões de refugiados actuais. As implicações políticas, logísticas, financeiras são mais do que muitas e por isso o estatuto teima em não chegar. (…)»
Cláudia Pedra, in Público.
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