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«(…) No passado dia 14 de Abril a capa do Expresso Economia noticiava garrafalmente que o "Alentejo pode ter 1500 milhões de barris de petróleo". O facto de ser essa a capa ter saído no mesmo dia em que uma manifestação juntava pessoas vindas de todo o país em oposição à prospecção petrolífera em Aljezur diz-nos muito acerca da gigante crise de credibilidade que hoje existe no jornalismo mundial. Por outro lado, a decisão da Agência Portuguesa do Ambiente, apoiada pelo governo, de isentar de avaliação de impacto ambiental um furo petrolífero com mais de um quilómetro de profundidade em alto mar, ajuda a explicar como a degradação das instituições e da política não é um fenómeno atribuível a populistas, mas sim às instituições e ao mundo político.
(…)
A notícia de 14 de Abril, cuja única fonte foram as petrolíferas, e é mais ou menos isto: se se descobrir petróleo e gás em Aljezur, vamos ficar todos ricos. Que um jornalista e editores aceitem usar informação de uma parte interessada - as petrolíferas ENI e GALP - no próprio dia em que a população se manifesta contra a intenção destas empresas de furar no mar do Alentejo/Algarve mostra-nos que a proliferação de fake news só teve o sucesso que teve porque a imprensa há muito que turva a linha entre notícia e propaganda comercial, produzindo, quase ininterruptamente, as suas próprias fake news.
Três semanas depois, uma consulta prévia a uma avaliação de impacto ambiental (AIA), uma conferência de imprensa para informar do resultado de uma consulta prévia a uma AIA e uma conferência de imprensa com dois ministros e um secretário de Estado para apoiar uma decisão de não fazer uma AIA a um furo petrolífero em deep offshore ou ultra-deep offshore (mais de 1000 metros de profundidade, podendo chegar aos 3000).
A consulta prévia para saber se era preciso fazer uma AIA forneceu às pessoas, como única fonte de informação, um relatório da petrolífera ENI, empresa que quer fazer o furo de petróleo em conjunto com a GALP. O governo disse portanto às pessoas para lerem uma brochura de propaganda da empresa e depois decidirem se achavam ou não que devia haver uma avaliação de impacto ambiental. Surpresa das surpresas: as pessoas pronunciaram-se avassaladoramente contra.
No último dia que tinha para se pronunciar, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) convocou uma conferência de imprensa para dizer que decidia que não era preciso avaliar nada. Os dados que usou para chegar a esta decisão? A leitura da brochura de propaganda da empresa interessada em fazer o furo, e os pareceres favoráveis de outros nove organismos públicos. Estes pareceres foram baseados em informação que veio de onde? Da leitura da brochura de propaganda da empresa interessada em fazer o furo. Entretanto, mais de duas mil pessoas pronunciaram-se na consulta prévia, além de municípios, associações, confederações empresariais, contra a dispensa de AIA. O presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, deitou estas participações ao lixo, dizendo que "na sua generalidade, eram sobre a exploração de petróleo, que não era a matéria para análise". Aqui a coisa começou a torcer, como nos revela a Plataforma Algarve Livre de Petróleo, ao informar que só a partir da plataforma seguiram 1700 participações a apelar à realização de AIA, e referentes à prospecção e não à produção. Pessoalmente, enviei também uma objecção acerca da prospecção e não da produção mas, é certo, não tinha uma capa bonita nem vinha assinada pela ENI. E portanto a APA, que exige avaliações de impacto ambiental a loteamentos, centrais de biomassa, centrais fotovoltaicas, parques eólicos, explorações pecuárias, avícolas, parques de campismo, entre mil outras coisas, simplesmente dispensou de AIA um furo de petróleo a mais de 1000 m de profundidade no mar alto, com mais de um quilómetro de tubagem antes sequer de chegar ao fundo oceânico, onde furará ainda mais à procura de reservas petrolíferas. Para tornar isto ainda mais claro, a APA decidiu não avaliar o impacto ambiental de um furo parecido com aquele que levou à catástrofe do Deepwater Horizon, da BP, em 2010 no Golfo do México, que ficou 88 dias a perder petróleo, 5 milhões de barris. Por isto ser tão escandaloso é que foi convocar uma conferência de imprensa. E mentir, mentir, mentir, dizendo: não é produção, é prospecção.
Logo a seguir, timings coordenados, entra em jogo outra conferência de imprensa, a poucos quilómetros de distância: frente ao púlpito, o ministro dos Negócios Estrangeiros, o ministro do Ambiente e o secretário de Estado da Energia. Primeiro, e perante a enormidade anunciada na conferência de imprensa anterior, era preciso reafirmar a decisão da APA: o governo apoiou-a. O ministro do Ambiente disse que era uma "decisão técnica, não política". A base dessa decisão técnica não pode ser outra: a brochura de propaganda da ENI.
(…)
O governo destacou um dos seus franco-atiradores, o vice de António Costa, Augusto Santos Silva, para manter a mentira: não é produção, é prospecção. Engana quem nunca tenha lido os contratos ou a lei que lhes deu origem: não existem fases separadas entre a prospecção e a produção. O que existem são contratos de concessão de direitos de prospecção, pesquisa, desenvolvimento e produção de petróleo. Isto assim, com estas palavras todas. A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino já usara esta mesma mentira, em plena audição parlamentar, no início de 2017. António Costa também.
Assim, ouvimos sair da boca de muita imprensa, das instituições e do governo as exactas mentiras fabricadas pelas petrolíferas desde o primeiro dia em que começou a contestação ao petróleo: que daria dinheiro ao erário público, que baixaria a dependência de combustíveis fósseis, que baixaria as importações, que criaria emprego, que baixaria os preços da gasolina e do gasóleo, que seríamos a nova Noruega, que era prospecção para se ficarem a conhecer os recursos, e não produção petrolífera. Estes argumentos só continuam a fazer eco porque, naturalmente, a larguíssima maioria da população não leu nem lerá os contratos que dizem o contrário disto. Além disso, imprensa, instituições e governo continuam a não apenas ignorar mas a omitir deliberadamente a necessidade de cortar as emissões de gases com efeito de estufa. Permitir a continuação de concessões petrolíferas é o inverso do que é necessário fazer, é totalmente irracional ir procurar mais combustíveis fósseis à escala mundial quando só se podem queimar 10% de todas as reservas hoje conhecidas de combustíveis fósseis para manter o aumento da temperatura abaixo dos 2ºC e cumprir o Acordo de Paris.
Mas agora fizeram um erro grave. Mesmo sem ter lido os contratos, não existe ninguém em Portugal que possa aceitar que se façam furos de petróleo, uma das actividades de elevadíssimo risco, especialmente em alto mar e a grande profundidade, sem sequer fazer avaliação de impacto ambiental (que pode ser perfeitamente uma treta, como são a maioria das AIA). Destapou-se-lhes totalmente a careca. Se é corrupção, cobardia política ou ignorância pura e dura é irrelevante. A ideia de prospectar e explorar petróleo em Portugal pertence ao caixote do lixo das ideias mais estúpidas já anunciadas ao país, e é o PS, muito mais do que PSD e CDS, o responsável pela mesma. Que um governo se espoje na lama pela GALP/ENI só nos mostra como o centrão político, de que o PS é o primeiro representante em Portugal, não é mais que uma plataforma de vendilhões, representada perfeitamente por um Manuel Pinho, um Jorge Coelho, um Carlos Costa e Pina, um Murteira Nabo, um Daniel Bessa, um Pina Moura, um José Penedos, um António Vitorino, um Armando Vara ou um José Sócrates.
Podem ir comprar mais capas de jornais a dizer que há 1500 triliões de barris de petróleo no Alentejo, que a quantidade que podemos explorar é exactamente a mesma: zero. E cá estaremos para impedi-los.»
João Camargo, in Sábado 23mai2018.
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