quinta-feira, 7 de dezembro de 2017

Reflexão – Um exemplo de greenwashing

Foto: Ingo Gerlach/Barcroft Images

A Portucel e ONGs moçambicanas acabam de lançar em Maputo o Conselho Consultivo Portucel (CCP) com o objetivo de monitorizar um projeto florestal para a produção de papel e energia da empresa portuguesa no centro de Moçambique. «O CCP tem como resultados esperados ver produzidas recomendações sobre a participação das comunidades locais no projeto, a prestação social da empresa para o desenvolvimento das comunidades, promoção de melhores hábitos culturais, proteção dos direitos humanos e das comunidades locais, melhores práticas ambientais e elaboração de recomendações para uma maior reflexão no âmbito da gestão das parcerias tripartidas entre comunidades, Governo, setor privado e poder legislativo para o desenvolvimento sustentável», diz a plataforma.

Na ocasião, João Lé, diretor-executivo da Portucel, disse já ter investido 92,8 milhões de euros neste projeto, tendo a empresa explorado 4% dos 356 mil hectares sobre os quais incide o Direito de Uso e Aproveitamento de Terra, concedido à empresa portuguesa pelo Governo moçambicano. O responsável da Portucel acrescentou que a empresa já investiu mais de 4,2 milhões de euros no seu Programa de Desenvolvimento Social, tendo beneficiado 5.500 agregados familiares dos oitos distritos do centro de Moçambique onde está a executar o projeto.
"Temos que garantir a conjugação dos interesses sociais, ambientais e os usos agrícolas das comunidades, mas tendo sempre presente que não há desenvolvimento sem investimento", afirmou.

O timing desta notícia não é inoicente. É a resposta a um relatório acabado de publicar, intitulado «Usurpação de terra para celulose».
O estudo critica a aquisição de terras em larga escala para a plantação de eucalipto nas províncias de Zambézia e Manica. A responsável pelas plantações é a Portucel Moçambique, pertencente à multinacional portuguesa The Navigator Company.
Sergio Baffoni, da Rede Ambiental do Papel (EPN, sigla em inglês), uma das ONGs que assinam o relatório, considera que a plantação de eucalipto pode acarretar danos ao meio ambiente, como a erosão do solo e a redução da água disponível. O ambientalista questiona também a forma como as terras foram adquiridas: "Há um acordo entre a Portucel e o Governo, mas isto não está de acordo com a lei, porque as terras ocupadas por camponeses não podem ser atribuídas a terceiros sem o consentimento das comunidades locais. E houve, por parte da empresa, não do Governo, um processo para pedir este consentimento. Mas este processo foi insuficiente, também porque a maior parte foi feita em português, em locais onde as pessoas falam outras línguas". Embora tenha sido constituída uma comissão da própria Portucel para garantir que os direitos das comunidades sejam salvaguardados, o coordenador executivo da União Nacional dos Camponeses de Moçambique, Luís Muchanga, admite que «esta comissão não se faz sentir". "Sugerimos à empresa é que recomece o processo de consulta junto às comunidades, respeitando o princípio do consentimento livre, prévio e informado. E que refaça isto antes que seja tarde demais", concluiu.
http://www.dw.com/pt-002/produ%C3%A7%C3%A3o-de-celulose-amea%C3%A7a-o-centro-de-mo%C3%A7ambique/a-41555615

O CPP surge na sequência da criação da Portucel Moçambique em 2009, a que o Governo concedeu um Direito de Uso e Aproveitamento de Terra sobre uma área de 356.000 hectares, na província da Zambézia, centro de Moçambique, com a finalidade de florestamento de dois terços da mesma para a produção de pasta de papel e energia.

Aliás, já em dezembro de 2013, o jornal A Verdade escrevia: «Em Socone, foram inquiridas e entrevistadas respectivamente 32 e 47 pessoas, entre elas membros das comunidades afectadas, régulos e líderes comunitários. Segundo os entrevistados a comunidade rejeitou o projecto porque temiam perder as suas terras, pelo que o chefe do Posto Administrativo de Socone, reuniu os líderes comunitários para que não tomassem nenhuma posição que pudesse influenciar a população local a rejeitar o projecto.
“O chefe do Posto proibiu os líderes comunitários de se pronunciarem ou tomarem qualquer decisão sobre a terra e a entrada da Portucel, então eles não falaram mais sobre o assunto e ficaram calados” – revelou um dos membros da comunidade.
Segundo os entrevistados, em Fevereiro de 2011, quando a Portucel iniciou as suas actividades aliciou os membros comunitários a vender as suas machambas com promessas de emprego. Emprego este que segundo eles não durava mais do que uma semana e auferiam entre 80 a 100 MT por dia. Fora as terras que lhes “pertenciam” a empresa colocou as máquinas nas machambas da população, removendo as culturas aí existentes para plantarem as mudas de eucalipto e parte deles viram as suas machambas rodeadas de eucaliptos.
Foi a quando da visita do governador da província ao local, na altura Francisco Itai Meque, que fizeram a queixa e este disse que iria mandar fazer um levantamento das pessoas afectadas e que perderam as suas terras para solucionar o problema.»
Por esta altura, a International Finance Corporation (IFC), membro do Grupo Banco Mundial, anunciava um financiamento de 1,7 mil milhões de euros para desenvolver o projeto da Portucel de plantação de eucaliptos, produção de papel e produção de energia em Moçambique. A primeira fase do projeto da Portucel em Moçambique consistia em novas plantações de eucaliptos numa área de 60 mil hectares, mas a empresa portuguesa tinha um plano de reflorestação que pretende cobrir 356 mil hectares até 2026.

Entretanto, em setembro de 2015, a Portucel inaugurava o que dizia ser o maior viveiro de plantas em África, e que vai abastecer a futura fábrica de pasta de papel, que iria, a partir de 2023, produzir mais ou menos o mesmo que a celulose produzida em Portugal. Na altura, Pedro Queiroz Pereira, presidente do grupo Portucel-Soporcel, lamentava ter de plantar eucaliptos em Moçambique em vez de Portugal devido a resistências contra aquela árvore, mas regozijava-se pela criação de 7 mil postos de trabalho.

Porém, em setembro de 2016, são publicados dois relatórios que alertam para situações de disputa e violação da terra das comunidades locais por parte das empresas que operam no ramo das plantações de monoculturas, nomeadamente a norueguesa Lúrio Green Resources e a portuguesa Portucel Moçambique/The Navigator Company. O primeiro relatório, - “O Avanço das Plantações Florestais sobre os Territórios dos Camponeses no Corredor de Nacala: o caso da Green Resources Moçambique” -, foi produzido pelas organizações moçambicanas Livaningo, UNAC (União Nacional dos Camponeses) e Justiça Ambiental. O segundo, - "Portucel - O Processo de Acesso à Terra e os direitos das comunidades" -, foi elaborado pela Justiça Ambiental em parceria com a World Rainforest Movement.
Na sequência destes relatórios, é entregue à Green Resources, na Noruega, e Portucel/The Navigator Company, em Portugal, bem como às instituições governamentais moçambicanas o Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural e o Ministério da Agricultura e Segurança Alimentar, uma petição com12332 assinaturas de várias organizações nacionais e estrangeiros, bem como singulares, em solidariedade e apoio às comunidades vítimas da expansão das plantações de monoculturas de eucalipto em Moçambique. A petição apela para que se devolva as terras às comunidades para se resolver muitos conflitos na região.

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