Cartoon do Público.
«Depois da tragédia no Funchal, o passa-culpas. O costume. Antes de tragédias quase anunciadas, o “queixa-andar”. Também o costume. No meio, conferências de imprensa para defesa própria. Ainda o costume. A saga do debate entre o “nada fazia prever”, o “já havia relatórios” ou, ainda, o “estava prevista a intervenção, mas não havia dinheiro” (entre fontanários e rotundas). Assim vamos andando, até que a erosão da memória quase tudo anestesie e pouco se aprenda. Na tragédia humana do Funchal, discute-se, agora, de quem é o terreno da árvore mortífera. Ou se o carvalho sucumbiu por fungos ou de morte natural. Ou se ele se despenhou no meio das pessoas por causa de um ramo do plátano seu vizinho. Ou se a responsabilidade é da Junta de Freguesia, da Câmara Municipal de agora, da Câmara Municipal de antes, dos serviços regionais, da República, de mim ou de si, caro leitor… Também o costume, em Portugal apenas mudando os protagonistas e as evidências. E, ali, por azar não havia sequer um qualquer “Siresp” ou um operador de telecomunicações para apanhar no lombo todas as responsabilidades. (…) Na atenção que as árvores merecem está, obviamente, o cuidado a ter com as que estão doentes fazendo perigar pessoas ou bens e as que vão morrer segundo a sua natureza e a lei da vida. Também importa erradicar más práticas de escolha de espécies completamente desajustadas da nossa tradição arbórea. Um caso evidente foi a invasão aparolada de palmeiras das Canárias (Phoenix canariensis) por todo o lado, para as quais um escaravelho vermelho (Rinchoforus ferrugineus) se tem encarregado de contribuir para repor a “normalidade arbórea” no Continente. E se costumamos dizer que as árvores morrem de pé, ou seja, com dignidade, impõe a prevenção de acontecimentos danosos para as pessoas que algumas árvores também se abatam. No momento certo, antes que nos abatam a nós.»
António Bagão Félix in As árvores (nem sempre) morrem de pé – Público 22ago2017.
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