terça-feira, 22 de agosto de 2017

Bico calado


Aviários ou fábricas?
  • «Há muitas mãos e muitas circunstâncias a riscar fósforos na paisagem. Motivações criminosas, seguramente muitas, como a factualidade mostra. Mas na balança pesam muito as contingências do desordenamento da floresta, a carga energética decorrente da falta de limpeza das matas ou do abandono das terras, os interesses espúrios à volta dos negócios negros que a floresta movimenta, a urgência de políticas visando a manutenção da paisagem, medidas preventivas sérias. O drama dos incêndios florestais todos os anos se repete. Saem das cabeças óptimas soluções e promessas. Mas logo que o tempo refresca, fica-se à espera do ano seguinte e do tempo dos incêndios na esperança (ou ilusão) de que as condições climatéricas sejam mais brandas e favoráveis. E assim vive o país o fogo por vir.» Fernando Paulouro Neves in As mãos do fogo.
  • «Se trabalha no jornal Observador, ou vai votar no candidato do PSD a Loures, não pode perder a visita a casa do Professor Salazar. Imaginem, seus saudosistas (vão buscar os Kleenex), o que é passear livremente os vosso olhos pelos bens de António Salazar, começando pelo Chevrolet Stylemaster, ferrugento, a cor preferida do Salvador da Pátria. Na sala podemos observar as suas coleções de selos usados e de ratos mortos. Na casa de banho o destaque vai para o estojo de barba da governanta de Salazar e para a curiosa placa em azulejo sobre a sanita onde obrava o ditador e onde se pode ler – “sei muito bem o que quero e para onde vou.”» João Quadros in Destinos de fériasSapo24.
  • «(…) Sempre que os pensadores a imprensa bilionária exigem liberdade, eles têm o cuidado de não especificar de quem são as liberdades a que se referem. A liberdade de alguns, sugerem, significa a liberdade para todos. Em certos casos, isso é verdade. Pode-se exercer a liberdade de pensamento e expressão, por exemplo, sem prejudicar outras pessoas. Noutros casos, a liberdade de uma pessoa é a prisão de outra. Quando as empresas se desembaraçam dos sindicatos, elas restringem as liberdades dos seus trabalhadores. Quando os muito ricos se libertam de impostos, o resto do pessoal sofre através das falhas nos serviços públicos. Quando os financeiros estão livres para inventar instrumentos financeiros exóticos, o resto do pessoal paga as crises que eles provocam. Acima de tudo, os bilionários e as organizações que dirigem exigem liberdade de algo que chamam "burocracia". O que eles chamam burocracia é a proteção pública. Um artigo no Telegraph da semana passada intitulado "Corte-se a burocracia da UE que asfixia a Grã-Bretanha após o Brexit para libertar o país das grilhetas de Bruxelas". Sim, estamos a sufocar, mas não em burocracia. Estamos a sufocar porque o governo não cumpre as europeias sobre a qualidade do ar. (…) Reduzir essas proteções públicas significa liberdade para bilionários e empresas das restrições da democracia. Isto é o que Brexit - e Trump - querem. A liberdade que nos prometeram é a liberdade dos muito ricos para nos explorarem. (…) A administração Trump tem esta mesma ética e estas mesmas justificações. O novo ministro do Ambiente, Scott Pruitt, está a tentar revogar as leis que protegem os rios da poluição, os trabalhadores contra a exposição a pesticidas e todos contra a degradação do clima. Isto não significa que o ministério tenha sido muito rigoroso anteriormente: uma das razões para o envenenamento em massa em Flint, Michigan, foi o fracasso desastroso em proteger as pessoas da contaminação da água potável pelo chumbo, um fracasso que agora atinge 18 milhões de americanos. (…) Quando confrontamos um sistema de propaganda, a nossa primeira tarefa é decodificá-lo. Isso começa por questionar o seu valor sagrado. Sempre que ouvimos a palavra liberdade, devemos interrogar-nos: "liberdade para quem, a que preço?» 

George Monbiot in The Problem with freedom (Trad. livre de excertos minha] -  The Guardian 5abr2017.

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