segunda-feira, 22 de maio de 2017

Reflexão: Solos contaminados em Lisboa colocam a saúde pública em perigo


«Milhares de lisboetas (con)vivem paredes meias com substâncias químicas altamente nocivas e até cancerígenas. 
(…) o Parque das Nações não é só uma das zonas mais caras de Lisboa, com apartamentos de luxo necessariamente caros. É ainda e sobretudo uma área contaminada com resíduos particularmente perigosos para a saúde. A reconversão da zona oriental da capital foi elogiada dentro e fora do país, mas os produtos tóxicos continuam ali duas décadas depois.
(…)  E este não é um caso isolado. (…) a expansão do Hospital CUF Descobertas está a ser feita em terrenos contaminados no Parque das Nações.  No mesmo sítio onde está a ser construído o novo edifício do hospital, existiu durante décadas a refinaria de Cabo Ruivo. Naquele lote ficava, nada mais, nada menos, que a lagoa da refinaria. Não admira que haja ali produtos derivados do petróleo. (…) A refinaria não era a única “inquilina” daquela zona no século passado. Ali perto houve um matadouro, um depósito de material de guerra, um aterro sanitário e até uma lixeira municipal. Foco de contaminação atrás de foco de contaminação.
Ainda as obras da CUF Descobertas não tinham arrancado e já havia denúncias na Agência Portuguesa do Ambiente. As autoridades foram alertadas para erros e falhas grosseiras nos estudos feitos à qualidade dos terrenos. Durante as obras, foram avisadas que terrenos perigosos estavam a ser classificados como não perigosos e encaminhados para locais impróprios.
Só depois destas denúncias, quatro meses após o início das escavações, é que a José de Mello Saúde anuncia ter encontrado terrenos perigosos.
Hoje o Parque das Nações está cheio de prédios de habitação, escritórios, comércio, hotéis, escolas, etc.
Mas os arquivos mostram que todos estes terrenos faziam parte da zona de intervenção da Expo ’98. Tudo isto devia ter sido descontaminado nos anos 90. Houve concursos públicos, foram contratadas empresas, nacionais e estrangeiras, para fazer o trabalho.
A Parque Expo gastou milhões de euros nessas operações. Dinheiro público, ainda para mais. É preciso perceber o que falhou e de quem é a responsabilidade.
A CUF Descobertas desconhecia que o terreno estava contaminado quando o comprou. Diz-se enganada, e até já processou a Parque Expo.
Antes do hospital, houve outros casos. Aliás, desde a Expo ’98, vários terrenos adquiridos a esta empresa revelaram-se contaminados. O último foi em 2014, mesmo ao lado do hospital, onde a Jerónimo Martins construiu um supermercado.
Hoje a Parque Expo está extinta. Tudo o que sobrou está a ser vendido para pagar as dívidas. Quem é que assume as responsabilidades? O Estado, que era o dono da empresa?
Apesar das denúncias, das queixas dos moradores e dos alertas das associações ambientalistas, as obras nunca foram suspensas.
A primeira inspeção só acontece quatro meses depois do início das escavações.
Durante meses, nenhuma autoridade testou os solos, as águas ou a qualidade do ar. Todos os testes foram feitos pelo próprio dono da obra.
Só em Janeiro, sete meses depois do início das obras, quando praticamente todos os terrenos já tinham sido retirados do local, é que as autoridades mandam suspender a remoção das terras. Pedem novos testes à dona do hospital, às terras e ao ar. E levantam a suspensão ao fim de poucas semanas, sem esperar pelos resultados.
É também em Janeiro que a José de Mello Saúde entrega o plano de descontaminação, um documento obrigatório por lei para se poderem deslocar terrenos contaminados. As autoridades permitiram que as obras decorressem durante sete meses, apesar de o plano estar em falta.
Confrontámos a Agência Portuguesa do Ambiente com estas falhas.
Nos últimos meses, várias obras em Lisboa levantaram suspeitas de contaminação:
Campo das Cebolas, onde está a ser construído mais um parque de estacionamento da Emel;
Braço de Prata, onde está a ser construído um mega empreendimento de habitação, comércio e serviços; Santos, onde está a nova sede da EDP e onde está a ser feito um edifício da seguradora Fidelidade; Aeroporto de Lisboa, onde estão a ser feitas obras junto aos parques de estacionamento; Alcântara, onde a José de Mello Saúde está a edificar a nova CUF Tejo.
O problema em todos estes casos é que quem polui os terrenos, não os descontamina antes de os vender.
A nova lei, que pode pôr fim a esta situação, está pronta, esteve para ser aprovada há dez meses, mas o Governo decidiu adiar. Mais um adiamento, se pensarmos que já está na gaveta há mais de dez anos, e tem sido empurrada de Governo em Governo, sem nunca ter sido aprovada.
Os ambientalistas denunciam que há interesses económicos por trás de tanto adiamento. Lobbies, garantem, de indústrias poluentes, que não querem arcar com o custo de despoluir os terrenos.» 
Paula Gonçalves Martins in ContamiNações - TVI24.


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