Bico calado
- «A audição do ex-Secretário de Estado Paulo Núncio, hoje no Parlamento, foi um exercício atabalhoado de afirmações retorcidas que pretenderam justificar o injustificável. Vamos por partes: Tentou justificar a não publicação da lista das transferências para offshores com base no facto de ter dúvidas relativamente a tal publicação poder, segundo ele, beneficiar o infractor. Não consegui perceber, nem ele explicou mas deve saber já que é um especialista em offshores, donde pode advir tal benefício. A lista, quando é publicada reporta a operações realizadas no ano anterior. Logo, como podem os infractores ser beneficiados se a infracção, a ter acontecido, já é um facto do passado? Mais. A lista contém informação sobre operações financeiras que os bancos reportam, mas que também devem ser informadas pelos contribuintes às autoridades ficais na declaração Modelo 38. Publicar a lista, portanto, não dá nenhuma informação adicional ao contribuinte infractor. Se ele declarou as suas operações financeiras no Modelo 38 e as vê reflectidas na listagem, já o sabia. Se não declarou e as vê na lista, também já sabia que tal iria acontecer, sujeitando-se portanto às decorrentes penalizações legais. (…) Mas a conclusão mais grave que resulta desta audição é de ordem política. Suponhamos que o PSD/CDS tinham continuado no governo após as eleições de 2015. Continuaria a existir opacidade sobre as transferências para offshores, as listas de 2011 a 2014 continuariam na gaveta e a de 2015 não teria visto a luz do dia. As falhas no escrutínio aos 10000 milhões de euros que saíram do país continuariam a ser ocultadas debaixo do tapete e quaisquer impostos que se venham ainda a apurar ser devidos nunca seriam liquidados. O que só prova que estamos perante um caso de grave relevância política que revela a parcialidade do governo anterior no que toca à repartição dos sacrifícios fiscais: espada e varapau contra os pilha-galinhas, passadeira vermelha para os tubarões.» Estátua de Sal.
- «Sabem quanto paga Portugal, apenas em serviço da dívida, por ano? Oito mil milhões de euros. Sabem qual é o custo anual do Serviço Nacional de Saúde? Também cerca de 8 mil milhões de euros. E quanto custa anualmente o chamado rendimento mínimo? Cerca de 400 milhões de euros... Quanto é que custa a extensão do Metro do Porto? Aproximadamente 290 milhões de euros. Qual é o orçamento do Ministério da Educação para 2017? Pouco mais de 6 mil milhões de euros. Creio que estas comparações evidenciam a enormidade da verba que, entre 2011 e 2014, foi transferida de contas de bancos para os paraísos fiscais (e, repito, este valor não abrange as quantias que foram transferidas à revelia do sistema bancário, ou seja, em malas e artifícios semelhantes). Dir-me-ão os crentes que foram verbas correspondentes a muitos anos de poupanças e que "fugiram" do país devido à crise. Até poderão ser. Mas, desculpem-me a pergunta, quantas destas "poupanças" pertencem a empresários que clamam a impossibilidade de aumentar o salário mínimo nacional para 600euro/mês? Ou que dizem que temos de manter a economia baseada em custos salariais baixos? Pela minha parte, é náusea que sinto quando ouço falar destes números. E completa falta de paciência para os sem-vergonha que nos dizem não haver alternativa aos sacrifícios que nos impuseram, ao mesmo tempo que fechavam os olhos a estas brutais fugas aos impostos!...» Rui Sá in 10 mil milhões de euros! – JN 27fev2017.
- «Não há espaço para ingenuidades nem canduras: uma empresa ou uma conta sedeada em offshore não é ilegal e muitas das utilizações que lhe são dadas não são ilegais, mas não deixam de ser um recurso claro para escapar a dois mecanismos fundamentais: o da supervisão e fiscalização à origem dos capitais e o da fuga e evasão fiscal. Ou seja, ninguém coloca o dinheiro numa conta offshore só porque os euros se dão melhor em clima tropical, como o das Bahamas - território para onde sabemos agora ter sido feita a transferência de mais de 4 mil milhões de euros correspondente à venda da PT Portugal. Ninguém coloca o dinheiro nas Ilhas Virgens Britânicas só porque se sente melhor com o dinheiro no meio do mar. A verdade é que esses territórios são uma zona livre de regras e assumem o compromisso com os seus "clientes" de não partilhar a informação das suas contas com os órgãos de supervisão dos países de origem do capital.» Miguel Tiago in Offshores, a sangria continua - Manifesto74.
- «Finalmente o que todos sabemos é que as entidades supervisoras e inspetivas não fazem o seu trabalho de casa e as estatísticas estão erradas. A empresa do multimilionário russo Oleg Derispaska chegou a faturar 3 mil milhões de euros no offshore da Madeira e passados três anos de sobrefaturação desapareceu sem deixar rasto, transferindo todo o dinheiro para outra empresa-fantasma sediada em Chipre. Se fizermos contas percebemos que os números das estatísticas não batem certo e há pelo menos 12 mil milhões de euros fora da caixa. Se considerarmos os valores da receita reportada pela AT-RAM [Região Autónoma da Madeira], percebemos que as empresas do offshore da Madeira em 2015 pagaram 151 milhões de euros de IRC a uma taxa de 5%, sendo o seu lucro extrapolado superior a 3 mil milhões de euros. Considerando que nos anos de 2010 e 2011 as empresas do offshore da Madeira estavam isentas do pagamento de IRC e se olharmos para a lista das principais exportadoras, encontramos dados que nos mostram que o dinheiro que saiu para offshores provenientes da Zona Franca da Madeira é muito superior ao que está nas estatísticas oficiais da AT. Não se pode acreditar em todas as estatísticas, da mesma forma que não se deve confiar em todas as pessoas. Afinal, é tudo uma questão de números.» João Pedro Martins in Offshores: A verdade da mentira que as estatísticas escondem – Público 2mar2017.
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