quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Reflexão : «Os australianos brancos celebram, os aborígenes choram»

Imagem captada aqui.

Os australianos brancos celebram, os aborígenes choram,
por Amy Mcquire e Lizzie O’Sheajan in NYTimes. (apontamentos)

Em 26 de janeiro os australianos celebram o Dia da Austrália. A data comemora o desembarque da Primeira Frota em Sydney Cove em 1788. Cerca de 1.400 pessoas chegaram, metade deles condenados, transportados da Inglaterra para estabelecer uma colónia penal. No rescaldo da Guerra de Independência da América, os britânicos precisavam de um novo lugar para enviar criminosos. Os colonizadores e os seus tribunais consideravam a Austrália "terra nullius" ou "terra de ninguém", uma ficção legal usada para justificar o roubo de terras aborígenes nos séculos seguintes.

Os aborígenes consideram este um dia de luto, chamando-o "Dia de sobrevivência" ou "Dia da Invasão". Os conflitos com a população aborígene local começaram logo depois da chegada da Primeira Frota. Os colonos brancos envenenaram poços de água e sacos de farinha, e massacraram homens, mulheres e crianças impunemente.

Os aborígenes lutaram pela sua terra. Por exemplo, a nação Darug, liderada por Pemulwuy, juntamente com nações vizinhas, iniciou uma guerra perto do que são hoje os arredores de Sydney, que durou mais de duas décadas. Os clãs aborígenes fizeram guerrilhas contra os colonos na Tasmânia até ao início do século 19.

Os povos aborígenes foram expulsos das suas terras e metidos em missões e reservas. Os seus filhos, conhecidos como as Gerações Roubadas, foram separados das suas famílias.

A parte mais insidiosa do projeto colonial foi a desumanização dos aborígenes e a tentativa de destruir a sua cultura e conhecimento. Os povos aborígenes formaram uma relação simbiótica com a terra, o mar e o céu ao longo de dezenas de milhares de anos, e desenvolveram sistemas complexos de gestão da terra e agricultura, permeados com a espiritualidade. Mais tarde, contaram aos seus filhos que os seus povos eram apenas caçadores, desvalorizando-se e destruindo-se as suas tradições, as suas línguas e os locais sagrados.

Hoje sente-se muito o legado da desapropriação. Há imensos homens, mulheres e crianças encarceradas. No Território do Norte, por exemplo, 84% dos presos é aborígene. As mulheres aborígenes são o grupo de presos que mais tem crescido a nível nacional, tendo a sua taxa de prisão aumentado cerca de 120% desde 2000. As crianças aborígenes também são torturadas atrás das grades, como aconteceu no Centro de Detenção Juvenil de Don Dale no Território do Norte, em 2014.

Para muitos povos aborígenes, o 26 de janeiro celebra o começo simbólico de um programa estatal do genocídio. Os massacres, o roubo de terras, a remoção de crianças, a tentativa de assimilação e a prisão em massa remontam a esta data.

A história da resistência aborígene à colonização foi amplamente apagada. Ao contrário dos Estados Unidos, Canadá e Nova Zelândia, a Austrália não tem nenhum tratado com qualquer nação aborígene. Em 2008, o primeiro-ministro Kevin Rudd, pediu desculpas oficiais pela remoção de crianças aborígenes das suas famílias, mas nunca houve compensações. 

Os povos aborígenes continuam a lutar pela justiça, mas o sistema está minado. A ficção legal de "terra nullius" - uma terra que não pertence a ninguém - foi anulada pelo Supremo Tribunal em 1992 na sequência do caso Mabo. Isso abriu o caminho à Lei do Título Nativo, que reconhece os direitos dos aborígenes sobre a terra, mas apenas em circunstâncias muito específicas, e dá aos detentores de direitos indígenas pouco poder em decisões de uso da terra. As poucas políticas estaduais e territoriais que permitem direitos limitados aos proprietários aborígenes estão sob constante ameaça. Muitas vezes, as leis que governam os direitos de terras aborígenes favorecem os negócios que tentam explorar os recursos naturais sobre os detentores das terras.

A Austrália tem que mudar a data do dia da Austrália. Talvez possa ser o 3 de junho, o Mabo Day, o dia em que, em 1992, a o “terra nullius” foi eliminado formalmente. Isso seria, pelo menos, uma base mais sólida para construir uma compreensão compartilhada da história do país.

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