quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Reflexão - gestão da água

Estão a regar!, por Rui Sá in JN 3nov2014

“(...) As captações da água que abasteciam grande parte dos municípios do Grande Porto eram pertença dos SMAS - Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento da cidade do Porto. O crescimento da população, o aumento do consumo, as barragens no Douro (diminuindo caudais e provocando a salinização de uma grande parte do troço final do Douro), a falta de investimento e opções técnicas duvidosas levaram ao aparecimento de problemas no abastecimento de água - quem não se recorda do sabor salgado da água em alguns verões ou das crónicas faltas de água em Ermesinde?
Estes problemas (muitas vezes sobrevalorizados e mesmo provocados) foram o pretexto para a retirada das captações da água à tutela dos SMAS do Porto, entregando-as a uma sociedade anónima entretanto criada e designada por Águas do Douro e Paiva. Empresa essa que tinha sido constituída na sequência de diversas leis e revisões constitucionais que possibilitaram a criação de empresas públicas sob a forma de sociedades anónimas, bem como a abertura à iniciativa privada de um setor estratégico como a captação e distribuição de água. Dois processos que decorreram paralelamente e que uniram, invariavelmente, o PS, o PSD e o CDS.
A empresa Águas do Douro e Paiva juntou duas dezenas de municípios a uma empresa estatal chamada Águas de Portugal, tendo assumido a responsabilidade pela captação de água e pelo seu fornecimento/venda aos municípios que depois a distribuem/vendem aos cidadãos. Creio que não há dúvidas sobre a lógica da solução técnica: não é razoável que cada município tenha o seu próprio sistema de captação de água e também não é razoável que um município tenha o monopólio da captação vendendo a água aos outros municípios. Mas esta lógica, técnica, não escamoteia o que verdadeiramente estava por trás desta solução: dar um primeiro passo no sentido de retirar aos municípios a gestão da captação e distribuição de água, primeiro passo para a sua privatização - num processo em que se aplica a máxima de não pôr o sapo na água a ferver (para ele não saltar), aquecendo-se lentamente a água da panela com o sapo lá dentro......
E isto porque se escolheu um modelo multimunicipal, onde os municípios apenas detêm 49% do capital social, ficando os restantes 51% nas mãos da empresa Águas de Portugal - como me lembro, nas assembleias-gerais, o desconforto que me causava o facto de o representante do Governo (na altura, Mário Lino, depois ministro de Sócrates) levantar a mão e isso valer mais do que as mãos de 20 representantes das autarquias!... Num processo em que adquiriu por "tuta e meia" o património dos SMAS do Porto (que tinham captações e condutas), num negócio avalizado por Fernando Gomes que viu no mesmo a fonte de financiamento do seu segundo mandato.
(...)
Com este modelo, basta ao Governo impor às câmaras o aumento do preço de venda da água aos municípios (tem maioria na Águas do Douro e Paiva para o fazer). E, com isto, torna ainda mais apetecível a privatização da empresa Águas de Portugal, que a acontecer fará com que a maioria dos sistemas de gestão da água fique na mão de privados, possivelmente estrangeiros! (...)”

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