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terça-feira, 23 de dezembro de 2025

LEITURAS MARGINAIS

UM ESPETÁCULO DE VALENTIA ENCENADA.

Tita Alvarez, FB.



Era só já o que nos faltava o primeiro-ministro decidiu vestir o fato de estadista destemido e ir a Kiev posar para a fotografia ao lado de Volodymyr Zelensky, como se estivesse a representar Portugal num épico de coragem e honra. Na realidade, o que ali vimos foi um governante pequeno a tentar parecer grande num palco que não controla, repetindo slogans de guerra escritos noutros gabinetes, noutras capitais, noutros interesses.
Foi um espetáculo de valentia encenada. Um Spinunviva bravateiro institucional que fala em dissuasão, missões de paz e compromissos estratégicos como quem joga poker no Casino Solverde com fichas que não lhe pertencem. Porque quem paga não é ele. Pagamos nós os contribuintes, os reformados, os trabalhadores precários, os jovens condenados à emigração, os doentes à espera de médico.
Quando um vaidoso pedante primeiro-ministro se apresenta ao lado de um líder em guerra, não leva apenas a sua opinião pessoal: leva o país inteiro às costas. E Portugal não foi ouvido. Não foi consultado. Não foi chamado a decidir se quer alinhar-se mais fundo num conflito que não resolve e só agrava riscos. Isto não é liderança. É imprudência política disfarçada de coragem.
O mais inquietante não é a visita em si, é é foi o tom. A ligeireza com que se fala de tropas, de tecnologia militar, de compromissos futuros, como se a guerra fosse um jogo de xadrez distante, sem consequências reais. Como se a história não estivesse cheia de países pequenos arrastados para tragédias maiores por governantes ansiosos de reconhecimento internacional.
Portugal não é uma potência militar. Não é um ator decisivo neste conflito. Mas é um país vulnerável: economicamente frágil, socialmente exausto, institucionalmente desgastado. Um país que não pode dar-se ao luxo de aventuras geopolíticas nem de valentias emprestadas.
O pedante do primeiro-ministro não foi a Kiev defender os portugueses. Foi demonstrar alinhamento, obediência e ambição pessoal num teatro onde os aplausos vêm de fora e a conta fica cá dentro. Enquanto posa como defensor da democracia alheia, ignora a degradação da democracia social interna: hospitais sem resposta, escolas sem meios, rendas impossíveis, salários indignos.
E é aqui que os portugueses têm de estar atentos. Governantes que falam grosso lá fora costumam falar fino cá dentro. Governantes que prometem futuros gloriosos em conflitos externos são, muitas vezes, os mesmos que pedem contenção, sacrifício e resignação ao seu próprio povo.
A História ensina-nos isto com crueldade suficiente: quando os líderes deixam de prestar contas aos seus cidadãos e passam a prestar contas a alianças, blocos e agendas que ninguém votou, a democracia transforma-se numa formalidade vazia.
Portugal não precisa de primeiros-ministros vaidosos pedantes e armados em heróis de guerra. Precisa de governantes responsáveis, prudentes, profundamente conscientes de que cada palavra dita num cenário internacional pode ter custos humanos, económicos e sociais irreversíveis.
A atenção dos portugueses não é opcional é vital. Porque quando o poder se entusiasma com a guerra, é sempre o povo que acaba por enterrar os mortos, pagar a inflação, perder direitos e ouvir, no fim, que “não havia alternativa”.
Havia.
E ainda há.
Mas só se deixarmos de aplaudir valentões de ocasião e começarmos a exigir estadistas ao serviço do país não estes figurantes de uma guerra que não é nossa.

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