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terça-feira, 4 de novembro de 2025

RAQUEL VARELA, O CANTO DO MELRO – A VIDA DO PADRE JOSÉ MARTINS JÚNIOR (17)


— Conto-lhe uma história, Ricardo, acho que pela primeira vez. No ano 2000 fui a Maputo visitar o meu irmão João, que era aí juiz. Daniel Chipande era deputado na Assembleia e eu fui como convidado. Em conversa na galeria, com ele, descrevi-lhe a horrorosa tragédia dos onze militares nossos mortos numa mina anticarro. Notei a atenção do ex-general, e combatente da FRELIMO, o que deu o primeiro tiro em Cabo Delgado, agora deputado. Até me corrigiu no nome do local da mina. Não me contive: «Parece que o senhor deputado conhece este caso.» E ele, entre gélido e picado, desabafou: «Sim conheço, fui eu que montei essa mina, em 15 de agosto de 1967, após o curso de minas e armadilhas que tirei em Moscovo.» Estava eu diante daquele que matou onze amigos meus. Estremeci. Demos um abraço. Chorei; ele também.

— Não era contra vós, era contra o regime colonialista de Salazar — disse-me ele. — Eu também, nós não tínhamos nada contra os nativos moçambicanos. Estavam na sua terra. E pensei: «Salazar devia viver quinhentos anos, sempre vivo numa estátua, canalha, para todos os familiares cujos entes queridos ele matou lhe baterem com a coronha de uma arma! E pagar pelos crimes que fez contra tantos jovens. Duro, é verdade, mas imperdoável!»

Raquel Varela, O canto do melro – A vida do Padre José Martins Júnior – Bertrand 2024, pp 246-247.

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