- “(…) o Almirante (...) resolveu dar lições de democracia e liberdade, filosofando como se Atena tivesse por capacete um barrete de marinheiro. Julgou, pois ele, por decente afirmar (…) que “a maior parte dos ditadores autocráticos da História não era militar, nem ex-militar”. (…) Alexandre, dito o Grande, que o foi mais pelo tamanho dos massacres que pelo das virtudes cívicas, era rei e também general, mestre do assalto e do cerco. Dizem-me que deixou atrás de si cidades arrasadas e pilhas de cadáveres para corar os mais modestos carniceiros. César, que cruzou o Rubicão não para trazer paz a Roma, mas para forjar a primeira ditadura militar da história clássica, envergou uma armadura e não a toga quando se fez senhor da República. E como esquecer Genghis Khan? Não há nome que baste à brutalidade metódica dos sanguinários exércitos mongóis. O bom do Khan não tinha títulos universitários, mas manejou a espada como ninguém – e construiu um império a cavalo, onde o maior mérito de um homem seria a perícia e rapidez em cortar cabeças. (…) Querem reis militares da Idade Média? Do Renascimento? Do Barroco? Querem também papas de armas em punho? Chega-vos o velho Júlio II, Il Papa Terribile, que com a mão direita benzia e com a esquerda manejava o estandarte de batalha, e que fundou a Guarda Suíça não para rezar mas para pelejar. E que tal então Napoleão Bonaparte? Esse corso de baixa estatura, mas altas ambições, que foi general antes de ser imperador, que usou a guerra como argumento e o exército como meio de voto popular. Proclamou-se defensor das ideias revolucionárias e, num repente, estava a erguer o trono forrado a decretos imperiais que manteve a Europa em guerra durante uma década. Aliás, o meu século é fértil em tiranos fardados. No México, Antonio López de Santa Anna – generalíssimo e ditador – governou como lhe apeteceu, vestindo tanto a farda como o casaco da tirania, dependendo apenas da meteorologia. No Paraguai, José Gaspar Rodríguez de Francia – o Supremo – foi ditador, mas o seu sucessor, Carlos Antonio López, militarizou o país e iniciou a senda que culminaria com o seu filho, Francisco Solano López, que conduziu o Paraguai à aniquilação total na Guerra da Tríplice Aliança, morrendo fardado e espada em punho. Na árvore genealógica das tiranias, os ramos mais robustos mostram-se frequentemente de cepa militar. O senhor Gouveia e Melo, agora militar na reserva, parece querer ignorar que Franco era general, Pinochet era general, Videla era general, e que a América Latina — terras de minha infância tropical — se viu, no século XX, governada por uma plêiade de senhores de farda, bigode e punho de ferro. No meu Brasil, por exemplo, tivemos uma ditadura que durou mais de duas décadas, até 1985, sob o bastão firme de generais sucessivos, cada qual tão amante da Constituição quanto um açougueiro do boi que estripa. O argumento do Almirante, se me permitis a imagem, é como um navio que parte sem leme e se crê guiado pela força das ondas: chega, mas ao fundo do mar, a fazer companhia aos galeões de prata, às esperanças afogadas e aos tubarões do costume, que lá em baixo votam sempre a favor da corrente. Esqueceu-se Sua Excelência de que mesmo aqueles ditadores que não envergaram fardas de serviço se armaram de aparato militar e simbologia castrense para consolidar e exibir o poder. Hitler foi apenas cabo da I Guerra Mundial, é certo, mas criou para si mesmo uma farda e insígnias de Feldmarschall. Já Mussolini, um jornalista em origens, deu-se o gosto de se apresentar como comandante das massas, com uniformes que fariam inveja ao guarda-roupa de Júlio César. Na verdade, não há tirania sem aparato militar; não há autocracia sem aparato repressivo; não há ditador que não precise de soldados, de generais, de polícias com culatra armada. A política é, afinal, a continuação da guerra por outros meios, como bem disse o prussiano Carl von Clausewitz; mas há quem inverta a sentença e torne a guerra a continuação da política, com sabre, baioneta e discurso constitucional. Nem Portugal fugiu a esta genealogia belicista. O Estado Novo emergiu não da penumbra das assembleias populares, mas do clarão de um golpe militar. A vossa Primeira República foi uma sucessão de pronunciamentos e quarteladas, com mais generais a dar posse a governos do que padres a dar bênçãos aos noivos. Salazar, a quem se atribui o título de professor, só governou porque o general de artilharia Óscar Carmona, o general da aeronáutica Craveiro Lopes e o almirante Américo Tomás lhes asseguraram, décadas a fio, o respaldo das baionetas e a obediência das armas. (…) Caro Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo, distinto almirante na reserva, ornado ou ornamentado, segundo a página da Wikipédia, de GCC, GCA, ComA, cinco MPSD, três MOSD, MTMM, MSMM, MPMM, MPDN, MPCSJ, MTCN e MOCE: bem sei que arrasta ao peito prataria e ferragens que, não fosse a distinção, dir-se-ia um galeão filipino da Armada Invencível prestes a naufragar com o peso do próprio tesouro… ou a ser resgatado por algum submarino alemão de oportunidade, que bem conhece. (…) Por isso, a sua postura hierática e o seu ar de comandante prudente encarnam bem o dilema dos militares que sempre estiveram de mãos dadas com a política: querem ser árbitros, mas acabam juízes; querem ser neutros, mas acabam protagonistas. E quando dizem que “a Constituição não está mal feita”, devemos lembrar que o mesmo foi dito de muitas cartas antes de serem rasgadas ao primeiro tropel de cavalaria. (…) Diverte-me, em todo o caso, a sua inquietação sartreana: se continuar a vestir a farda, acusam-no de ser um candidato militarista; se a despir, perde o único traço distintivo que o separa de qualquer outro político sem ideias. Se se apresenta como homem de armas, denunciam-lhe a rudeza; se tenta passar por intelectual, falta-lhe a credibilidade. Enfim, uma coisa é certa, para seu mal: um Napoleão não pode ser um Voltaire, e um general não pode ser um Rousseau, por mais que tente substituir a espada pela pena – ou pela caneta BIC azul, dessas que assinam autógrafos em feiras do livro e actas em quartéis.” Brás Cubas, Uma estória dos ditadores, segundo o populista Gouveia ‘Hermano Saraiva’ e Melo – P1.
- A corrupção tem a ver com outros fatores, e não com o regime político. Pacheco Pereira.
- “(…) O sistema jurídico escocês é, de facto, profundamente corrupto, e tem-no sido ao longo de décadas. A corrupção centra-se no Ministério Público. (…) Pedem-nos que acreditemos que o Chefe do Executivo do SNP estava alegadamente a desviar fundos sem que o Líder do SNP soubesse. Para além disso, pedem-nos que acreditemos que o marido estava alegadamente a desviar fundos sem que a mulher soubesse. Quando se acrescenta a isto o facto de Marido e Mulher, e Chefe do Executivo e Líder, serem as mesmas pessoas, a improbabilidade multiplica-se. Àqueles que dizem que o nível de corrupção na Escócia mostra que este país não pode tornar-se independente, respondo que é exatamente o contrário. A corrupção é o resultado da infantilização da nação escocesa e da eliminação dos seus recursos. A independência é parte da solução.” Craig Murray, Inteligência artificial contra juízes corruptos.
- Actas XXX: Conselho Superior da Magistratura expurga informação pública de forma selectiva. Fonte.
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