domingo, 8 de setembro de 2024

LEITURAS À MARGEM

White Trash - A história não contada de 400 anos de classes na América (14)


"Jefferson pode ter detestado distinções e títulos artificiais, mas sentia-se bastante à vontade para assumir diferenças “naturais”. Tomando a natureza como guia, achava que não havia razão para não classificar os seres humanos na ordem das raças de animais. Nas suas ‘Notes’, escreveu com calma e segurança: “A circunstância da beleza superior é considerada digna de atenção na propagação dos nossos cavalos, cães e outros animais.” E acrescentou, sublinhando: “por que não na do homem?”
A reprodução cuidadosa era uma solução para a escravatura. Na sua Revisão das Leis, Jefferson calculou a forma como um escravo negro podia tornar-se branco: quando um escravo possuía sete oitavos de sangue “branco”, a “mancha” do seu passado africano era considerada como desaparecida. Em 1813, explicou a um jovem advogado de Massachusetts como funcionava a fórmula: “Na história natural, considera-se que um quarto cruzamento de uma raça de animais dá origem a uma descendência equivalente, para todos os efeitos, ao sangue original.” Jefferson usou esta mesma fórmula para criar um stock original de ovelhas merino. William Byrd tinha falado anteriormente sobre o branqueamento dos nativos americanos através de casamentos com europeus. Como disse Buffon, reproduzir o stock “original” significava reconstituir os negros como pessoas brancas.

William Short, amigo de Jefferson, levou muito a sério as ideias de Buffon. Numa carta de 1798 dirigida a Jefferson, observou que os negros nos Estados Unidos estavam a tornar-se mais claros. Admitia que isso se devia em parte à mistura com os brancos, mas achava que o clima também era importante. Ao propor um cenário possível, aproximou-se da ideia de regeneração de Buffon: “Suponhamos uma família negra transplantada para a Suécia, não podemos presumir ... que, num número suficiente de gerações seguintes, a cor desapareceria por efeito do clima?”

Era mais do que uma teoria. Jefferson estava a praticar a mistura de raças debaixo do seu próprio teto, sendo pai de vários filhos com a sua escrava quadroon Sally Hemings. O que chama a atenção nessa relação é o pedigree de Hemings: a sua mãe, Elizabeth, era metade branca e o seu pai era John Wayles, sogro de Jefferson nascido na Inglaterra. Os filhos de Jefferson com Sally eram o quarto cruzamento, o que os tornava candidatos perfeitos para se emanciparem e passarem por brancos. Dois dos filhos, Beverly e Harriet, fugiram de Monticello e viveram como brancos livres, enquanto Madison e Eston foram libertados no testamento de Jefferson e mais tarde mudaram-se para o Ohio. Os descendentes de Eston também se casaram com brancos."

Nancy Isenberg, White Trash – The 400-year untold history of class in America. Atlantic Books 2017, pp 99-100. Trad. OLima 2024.

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