quinta-feira, 1 de agosto de 2024

‘QUANDO PORTUGAL ARDEU’ 34

“Em 2014, o jornalista Ricardo de Saavedra editou O Puto, biografia do «comandante Paulo», ou melhor, Manuel Vicente da Cruz Gaspar, nascido em Montepuez, Moçambique. Tratava-se de um ex-comando refugiado na África do Sul, combatente no Esquadrão Chipenda, da FNLA, em Angola. Seria depois um dos operacionais do terrorismo de direita em Portugal e um dos radicais envolvidos na fuga dos «pides» de Alcoentre, onde se encontrava detido. Ricardo de Saavedra entrevistou o «comandante Paulo» em Joanesburgo, em 1979, numa casa da Monk Street. Gravou 23 cassetes durante 25 encontros e manteve o seu conteúdo resguardado por 35 anos. Em determinada fase da longa conversa, «o Puto» descreveu uma viagem a Vila Real: «O objetivo era o carro de um padre comunistoide de Trás-os-Montes, que usava boina à Che e, embora professor, precisava de lição à antiga, um susto à maneira.» Juntamente com um colega de apelido Favas, rumou a Vila Real a 2 de abril de 1976. Dia em que três elementos se juntaram à dupla e, segundo ele, se terá delineado o atentado a Maximino Barbosa de Sousa, o padre que «temperava regras de moral e gramática ou trechos literários de português e francês com aforismos de esquerda, acrescidos de considerações um tanto lascivas, que escandalizavam beatas e precatados varões das paróquias à volta da cidade». O embrulho com o engenho que mataria o sacerdote foi colocado no carro «em sessenta segundos». Regulado para três horas e meia, o tempo permitiu que «o Puto» e Favas ganhassem centenas de quilómetros em direção a sul antes do rebentamento. Foi a «dedilhar ladainhas» que passaram Peso da Régua e chegaram a Viseu. No momento em que o padre Max já transportava consigo a bomba que assinalaria o seu trágico destino, e «atendendo ao adiantado da hora», o «comandante Paulo» resolveu parar o carro.”

Miguel Carvalho, Quando Portugal ardeu (2017) – Oficina do Livro 2022, pp 227-228.

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