terça-feira, 9 de julho de 2024

‘QUANDO PORTUGAL ARDEU’ 19


"A ideia era para levar a sério, mas começaria a patinar numa sexta-feira de tempestade, 31 de outubro de 1975. Quatro civis (Paradela de Abreu, Ângelo de Trancoso, António Sousa Machado, cónego Melo) e três oficiais (Alpoim Calvão, Benjamin Abreu e Mira Godinho) almoçavam em ambiente soturno numa sala reservada do Seminário de Santiago, em Braga, longe de olhares indiscretos, quando o porteiro, com ar seráfico, entrou sem se anunciar: «Está ali a tropa», comunicou. «Dizem que querem entrar.»

Com exceções, a maioria daqueles homens estava armada e tinha mandados de captura às costas. Naquele momento, nenhum se lembrou de perguntar a razão pela qual os militares do COPCON que cercavam o edifício não entraram logo. Desataram a fugir pelos labirínticos corredores do seminário, onde só numa ala viviam 300 retornados. Sousa Machado saiu por uma porta lateral a falar francês. Benjamin Abreu (primeiro-tenente da Armada) e Mira Godinho (major da Força Aérea) seriam detidos. Calvão desaparecera com o cónego Melo, mas este voltaria para ajudar Ângelo de Trancoso e Paradela de Abreu a esconderem-se num alçapão do teto do seminário, que dava acesso ao forro do telhado, onde já se encontrava o comandante Alpoim. Estiveram ali 11 horas. Debaixo de um céu de trovões e chuva intensa que ia pingando por entre as frinchas do telhado.”

Miguel Carvalho, Quando Portugal ardeu (2017) – Oficina do Livro 2022, pp 156-157.

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