sábado, 28 de outubro de 2023

Reflexão - Denunciantes climáticos: o preço a pagar por quebrar o silêncio

Num contexto em que existem mais exigências ambientais do que nunca, o greenwashing está a tornar-se uma prática mais comum. Perante isto, há trabalhadores que ousaram denunciar irregularidades nas suas empresas, mas o medo de retaliações ainda paralisa muitos que querem agir.

Jóhannes Stefánsson foi diretor de operações na Namíbia da maior empresa pesqueira da Islândia, Samherji. Em 2016 ele abandonou o seu cargo em protesto contra a corrupção da empresa e de vários políticos e ministros na Namíbia e Angola, que aceitaram subornos da empresa estimados em 10 milhões de dólares em troca da obtenção ilegal de direitos de pesca de arrasto. O ex-trabalhador levou então consigo 30 mil e-mails, documentos, contratos e outras provas que a plataforma Wikileaks publicou no final de 2019. Após a sua revelação, o Ministro das Pescas da Namíbia, Bernhard Esau, e o Ministro da Justiça, Sacky Shanghala, entre outros, foram obrigados a demitir-se. As investigações e acusações criminais expandiram-se para outros países.

O caso foi denominado Fishrot. Quebrar o silêncio sobre esse escândalo ambiental rendeu a Stefánsson o Prémio de Sustentabilidade 2021 em Gotemburgo, Suécia. Mas a sua coragem não o livrou de represálias: Stefánsson arriscou a vida ao expor o que estava a acontecer. Com a publicação dos ficheiros, o ex-diretor de operações foi assediado, ameaçado e até envenenado. O perigo continua até hoje, enquanto o caso permanece aberto. O tão esperado julgamento deveria ter ocorrido em 2 de outubro, mas agora poderá ser adiado até o início de 2024.

Está provado que as maiores empresas do mundo enganam no cumprimento das suas promessas climáticas. E esse greenwashing é cada vez mais uma prática comum. Mas os cidadãos não sabem até que ponto isso se estende. Nem mesmo em que setores. É por isso que o papel dos denunciantes climáticos é crucial para saber se o que as empresas dizem é o que realmente fazem. Especialmente numa altura em que há mais exigências ambientais e de transparência do que nunca.

A maioria dos denunciantes sofre algum tipo de retaliação, e há muitos tipos de punições. Sanções laborais, despedimentos, congelamento de salários... Também pode haver ações judiciais ou por difamação. Nos piores casos, as pessoas recebem ameaças e ataques físicos. Os denunciantes também podem ser atacados através dos media para desacreditar qualquer informação que revelem. Nestes casos, os media também podem jogar a favor do denunciante: Reclamar publicamente, revelar a identidade, pode fazer parte da estratégia de proteção da pessoa porque fica mais difícil para a empresa ir atrás dela.

A Protect opera no Reino Unido há três décadas. Esta organização dispõe de uma linha de aconselhamento jurídico gratuita e confidencial e trabalha com empresas de todas as dimensões para as ajudar a estabelecer os mecanismos adequados que lhes permitam responder eficazmente às denúncias de irregularidades. Eles também fazem campanha por uma melhor regulamentação. ‘O lado bom da legislação britânica e da maior parte da legislação europeia é que incentivam os denunciantes a comunicar as suas preocupações à sua empresa em primeira instância. Esse é o local com maior probabilidade de o assunto ser abordado. Mas, se o empregador não os ouvir, nós ajudamo-los a seguir o caminho certo’, explica Elizabeth Gardiner, diretora executiva da Protect.

Até há quatro anos, qualquer funcionário que decidisse revelar informações sobre irregularidades na sua empresa corria o risco de ser humilhado, demitido ou processado. Mas o Parlamento Europeu aprovou, em 16 de abril de 2019, a Diretiva de Denúncia da UE, que estabelece os padrões mínimos de proteção que os países da UE devem fornecer legalmente aos denunciantes, também no domínio da proteção ambiental. Ao abrigo deste regulamento, as organizações com 50 ou mais trabalhadores são obrigadas a estabelecer canais internos para que os trabalhadores levantem preocupações e as investiguem. A Diretiva da UE também pode impor estes requisitos às empresas com menos empregados, dependendo de fatores como a natureza das atividades e o nível de risco para o ambiente e a saúde pública. Aprovar uma diretiva para proteger estas pessoas foi o primeiro passo para lhes dar segurança e reconhecer a sua importância na luta contra a injustiça, incluindo a injustiça climática. Mas a sua proteção ainda é uma tarefa pendente, por agora nas mãos de algumas ONGs que constatam que o medo de represálias ainda paralisa muitas testemunhas de corrupção corporativa.

AIDA CUENCA, Climatica.

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