"Sento-me
frente ao computador, nesta terça-feira dia 17 de outubro de 2023, para cumprir
a obrigação profissional de escrever um artigo sobre atualidade política.
Passaram 11 dias sobre a crueldade cometida pelo Hamas em Israel - não há volta
a dar, este terá de ser o tema do texto, caso contrário parece que vivo noutro
mundo...
Vejo, no site
do Diário de Notícias, o destinatário desse meu trabalho, as últimas notícias
provindas da região, reunidas numa ligação que acompanha, minuto a minuto, o
que se passa em Israel e na Palestina, desde a informação mais atual até à
notícia mais antiga.
Começa neste
título: "17.55 - Seis pessoas morreram num ataque aéreo a uma escola da
agência da ONU em Gaza"...
Penso: "É
melhor não me meter a condenar a morte de inocentes palestinianos ou sou logo
acusado de estar a ser cúmplice de assassinos de crianças israelitas".
Outro título:
"17.46 - "Mortos por bombardeamentos em Gaza chegam a 3000 desde o
início da guerra"...
Penso: "A
guerra não começou agora, mas se me ponho a lembrar isso vou ser acusado de
estar a branquear o Hamas com esse "mas" e de querer tirar o direito
a Israel de se defender. É melhor procurar outra abordagem".
Outro:
"17.31 - "O lugar da Alemanha é ao lado de Israel", afirma
Scholz"...
Penso:
"Podia tentar explicar como a má consciência europeia sobre o Holocausto é
usada há 75 anos por Israel para violar, sem penalização, o direito
internacional, mas ainda dizem que sou um negacionista da perseguição secular
aos judeus, por isso é melhor procurar outro ângulo".
Mais um:
"16.55 - Netanyahu: "O mundo deve estar unido para derrotar o
Hamas""
Penso:
"Poderia desenvolver a explicação de como o próprio Netanyahu e seus
aliados, com anos e anos de dura opressão sobre os palestinianos, tornaram o
Hamas politicamente e militarmente mais forte, mas podem interpretar essa
análise como uma justificação implícita do terrorismo. É melhor procurar outro
tópico".
Volto a
tentar: "16.44 - Paddy Cosgrave, CEO da Web Summit: "Peço desculpas
profundamente"".
Penso: "Com
que direito é que o embaixador e o Governo de Israel se mobilizam para boicotar
um evento comercial realizado noutro país (e cujo Estado lhes presta toda a
solidariedade), só porque o seu organizador falou em "crimes de
guerra" cometidos em Gaza?... Bom, é melhor não ir por aí no meu texto ou
ainda me boicotam a mim".
Prossigo:
"16.41 - Ministério da Saúde de Gaza diz que hospitais praticamente
colapsaram" e "15.56 - Autoridades de Gaza pedem à população que dê
urgentemente combustível que tiver".
Penso: "O
cerco a Gaza com corte de fornecimento de eletricidade, água e combustíveis a 2
milhões de pessoas não está a mobilizar a indignação política e mediática na
intensidade proporcional adequada há que ocorreu com o ataque do Hamas. Podia
fazer a comparação... Não! Estás louco!? Queres ser cuspido no meio da
rua?"
Vejo:
"15.47 - Hamas afirma que visita de Biden incentivará morte de
palestinianos".
Penso:
"Por acaso podia explicar que isto começou com os ingleses, ainda no
século XIX, mas as pessoas, hoje em dia, não querem saber do que está na raiz
dos problemas atuais, marcam a última fronteira do passado no dia da sua última
indignação. Ninguém ia ler".
Uma última
tentativa: "15.16 - Hamas anuncia morte de um dos seus comandantes em
raide israelita".
Penso:
"Podia alvitrar que desde 1947 os palestinianos têm o apoio reiterado da
ONU a formarem um Estado em territórios que, entretanto, foram ocupados por
Israel; por isso, têm igualmente direito a possuir um Exército para defender e
recuperar esses territórios, tal como os israelitas têm direito a defender o
seu território e as suas gentes. Mas, mais uma vez, os sacerdotes das redes
sociais lançar-me-ão pragas bíblicas por estar a dar apoio a infiéis
árabes..."
Desisto.
A ideia que a
vida de um bebé palestiniano vale tanto como a vida de um bebé israelita é, nos
dias que correm, uma ideia moralmente errada. Não sei como isto aconteceu, mas
é a realidade. Mais vale tentar viver noutro mundo...
Respiro.
Giro a roda do
rato e volto ao princípio da página que consulto no DN. Houve uma atualização:
"18.59 - Centenas de mortos em ataque a hospital, dizem autoridades em
Gaza".
Não, não se pode falar disto."
Pedro Tadeu, É possível falar da Palestina e de Israel? – DN 18out2023.
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