quinta-feira, 20 de julho de 2023

Reflexão – “Os interesses da BP conduzem o apoio do Reino Unido a guerras, golpes de estado e ditadores”

O Ministério dos Negócios Estrangeiros está, em grande parte, nas mãos da poluidora climático global BP. Do Irão ao Azerbaijão, do Iraque à Nigéria, da Rússia à Venezuela, o Reino Unido dá prioridade aos lucros da empresa em detrimento de uma política externa decente.

Revelámos recentemente que a BP extraiu petróleo iraquiano no valor de 15 mil milhões de libras desde que as forças armadas do Reino Unido e dos EUA invadiram o país em 2003.

Os governos de Londres e Washington negaram durante muito tempo que a guerra do Iraque tivesse a ver com petróleo. No entanto, a BP regressou ao país em 2009, após uma ausência de 35 anos, e foi-lhe atribuída uma participação significativa no maior campo de petróleo do Iraque, perto de Basra, ocupada pelos britânicos, no sul do país.

Algo semelhante aconteceu na Líbia após outra intervenção militar do Reino Unido em 2011.

Onze anos depois dessa guerra, em outubro do ano passado, a National Oil Corporation da Líbia concordou que a BP começasse a perfurar gás natural no país. A BP controla áreas de exploração na Líbia que cobrem quase três vezes o tamanho do País de Gales.

Os funcionários britânicos têm o hábito, de longa data, de travar guerras que afirmam ser do interesse dos direitos humanos mas que, na realidade, têm a ver com petróleo ou geopolítica.

Ficheiros desclassificados mostram que o governo trabalhista de Harold Wilson armou e apoiou secretamente a agressão da Nigéria contra a região secessionista do Biafra no final da década de 1960. A prioridade era novamente os interesses petrolíferos, na altura propriedade conjunta da BP e da Shell. O impacto das guerras petrolíferas britânicas dificilmente poderia ser maior. A guerra do Biafra foi a pior crise humanitária do mundo no final dos anos 60, causando a morte de cerca de três milhões de pessoas.

No Iraque, centenas de milhares de pessoas foram mortas durante uma catástrofe humanitária. A Líbia, por sua vez, foi transformada num porto seguro para o terrorismo e para os mercados de escravos e mergulhou numa guerra civil da qual ainda não recuperou.

Ditaduras

Outro dos maus hábitos do groverno britânico - o apoio a regimes repressivos em todo o mundo - também se explica em grande parte pela sua promoção dos interesses da BP. O mais conhecido e um dos mais abrangentes golpes de Estado britânicos desde a Segunda Guerra Mundial ocorreu no Irão em 1953. O MI6 e a CIA derrubaram o governo democraticamente eleito do país que tinha nacionalizado o petróleo do país: o alvo principal era a Anglo Iranian Oil Corporation, precursora da BP. Os documentos mostram que a Grã-Bretanha preferia um ditador no poder em Teerão que satisfizesse as necessidades de lucro da BP. Assim, Londres e Washington instalaram o Xá, que governou com mão de ferro durante o quarto de século seguinte, com o apoio britânico e norte-americano.

Passados 40 anos, o MI6 esteve alegadamente envolvido em dois golpes no Azerbaijão, rico em petróleo, em 1992 e 1993, para promover os interesses petrolíferos britânicos - especificamente da BP - no país. Poucos pormenores são conhecidos sobre estes episódios; um relatório dos media britânicos que detalhava as operações foi suprimido, possivelmente em resultado de um D-Notice do governo (um pedido de censura) e pouco mais se soube desde então.

São também os interesses petrolíferos britânicos que explicam o facto de o governo ter procurado o afastamento do governo de Nicolás Maduro na Venezuela, um país que possui as maiores reservas comprovadas de petróleo do mundo. Alan Duncan, que exerceu funções entre 2016 e 19, foi um dos ministros que esteve por detrás do esforço de mudança de regime do Reino Unido na Venezuela, o que implicou o reconhecimento da figura da oposição Juan Guiado como presidente. Duncan observou que "O renascimento da indústria petrolífera [na Venezuela] será um elemento essencial em qualquer recuperação, e posso imaginar que empresas britânicas como a Shell e a BP queiram fazer parte dela".

Egipto, Omã, Venezuela

Embora afirmem defender a democracia, os responsáveis pela estratégia do governo britânico preferem normalmente os ditadores porque são melhores para os negócios.

No Egipto, o Reino Unido tem ajudado a apoiar Abdul Fattah al-Sisi desde que este assumiu o poder em 2014, depois de um golpe militar ter derrubado o primeiro líder democraticamente eleito do país no ano anterior. O principal interesse do Reino Unido no Egipto, que está na base do apoio ao ditador, que iniciou uma repressão política sem precedentes no país, é o petróleo. Nas últimas décadas, a BP produziu quase 40% do petróleo do Egipto e, atualmente, produz 50% do seu gás. Em 2015, um ano depois de Sisi ter tomado o poder, a BP anunciou um novo investimento de 9 mil milhões de dólares no desenvolvimento do gás do Delta do Nilo Ocidental, que inclui cinco campos de gás. A empresa detém atualmente uma participação de 83% no projeto, que representa 25% da produção de gás do Egipto.

Do outro lado do Mar Vermelho, na Arábia, situa-se o aliado mais próximo do Reino Unido no Médio Oriente, a ditadura de Omã. O seu anterior Sultão, que governou durante 50 anos, foi empossado em 1970 num golpe apoiado pelo SAS e alberga secretamente bases de espionagem britânicas. A BP tem grandes investimentos em Omã, incluindo o que designa por "campo de gás gigante de Khazzan", no qual a empresa detém uma participação de 60% - uma proporção muito elevada para os padrões internacionais - deixando o Estado de Omã com 40%.

Negócios secretos no Brasil

Foram também os interesses petrolíferos que explicaram em grande medidda os negócios secretos da Grã-Bretanha com o brasileiro Jair Bolsonaro, que esteve no poder entre 2019 e 2022, e a extrema-direita brasileira. Os estrategas britânicos há muito que estavam de olho nos recursos económicos do país sul-americano, incluindo as suas reservas de petróleo e gás. Milhões de libras em ajuda britânica foram gastas durante a presidência de Bolsonaro com o objetivo de "abrir" os mercados de energia do Brasil para oferecer "oportunidades" para os negócios britânicos. Os documentos revelam que funcionários britânicos se reuniram com os Bolsonaros nos meses que antecederam as eleições de 2018 no Brasil e continuaram a colaborar com eles depois disso. O Reino Unido fez lobby junto ao governo brasileiro em nome da BP e da Shell em 2017, e o embaixador britânico em Brasília, Vijay Rangarajan, encontrou-se com representantes de ambas as empresas nada menos que 20 vezes durante 2018 e 2019.

A ligação russa

A Rússia tem sido outro grande objetivo para a BP nas últimas décadas. A corporação ajudou Vladimir Putin a garantir o seu domínio sobre o país, bombeando grandes quantidades de petróleo até anunciar a sua saída do país após a invasão da Ucrânia em 2022. Descobrimos que, sob o governo de Putin desde 2000, a BP extraiu petróleo no valor de nada menos que 271 mil milhões de libras da Rússia. A estratégia foi assegurada com a ajuda do então primeiro-ministro Tony Blair que, em 1999, disse a Putin que os ativos da BP eram "um importante interesse britânico na Rússia". Em 2003, a BP tinha-se tornado o maior investidor estrangeiro na história da Rússia, com a parceria da corporação com a empresa estatal de gás Gazprom "abençoada... pelo próprio Putin", de acordo com um telegrama dos EUA que foi divulgado. As provas sugerem que Blair e o MI6 ajudaram Putin a ser eleito pela primeira vez em 2000 e que uma das razões foi ajudar os interesses da BP na Rússia, então ameaçados. Documentos do Ministério dos Negócios Estrangeiros obtidos pelo Declassified pediam a Blair para fazer lóbi pela BP relativamente à falência da empresa petrolífera russa Sidanco, na qual a BP tinha comprado uma participação de 10% em 1997 por $571m. A Sidanco acabou por ser salva e em 2002, a BP aumentou a sua participação na empresa para 25% por mais $375m. Em 2003, a BP pagou mais $7 biliões à empresa petrolífera russa TNK para formar uma joint venture de 50-50 para explorar os depósitos de petróleo da Sibéria. Nas suas relações com Putin nesta altura, Blair ignorou a guerra brutal da Rússia na Chechénia a favor de uma ofensiva de charme, incluindo a exportação de equipamento militar do Reino Unido, cujo objetivo era no essencial garantir o petróleo russo para a BP.

A ligação aos serviços secretos

A BP foi fundada em 1909 como Anglo-Persian Oil Company e mudou o seu nome para British Petroleum Company em 1954. Há muito que a empresa está próxima do Serviço Secreto de Inteligência Britânico, MI6. Num artigo de 2007 do Mail on Sunday, que foi posteriormente suprimido, um informador da empresa afirmava que "a BP estava a trabalhar em estreita colaboração com o MI6 ao mais alto nível para a ajudar a ganhar negócios... e a influenciar a compleição política dos governos". O ex-oficial renegado do MI6, Richard Tomlinson, escreveu nas suas memórias de 2001 que a BP tem "oficiais de ligação do MI6 que recebem CX [informações] relevantes". Uma figura que se saiu bem da BP foi o antigo chefe do MI6, Sir John Sawers, que entrou para a empresa como diretor não executivo em maio de 2015. Aparentemente, foi "identificado" no ano anterior quando deixou o cargo de diretor da agência de espionagem. Durante os sete anos seguintes, Sawers recebeu 1,1 milhões de libras em honorários da empresa e acumulou uma participação acionista no valor de 135 mil libras no ano passado. "John traz uma longa experiência em política internacional e segurança que são muito importantes para o nosso negócio", informou a BP. Sawers foi conselheiro de Blair para a política externa entre 1999 e 2001 e em maio de 2003 foi nomeado o primeiro representante especial do Reino Unido para o Iraque pós-invasão.

Outra figura de topo do MI6, o seu antigo chefe de contra-terrorismo Sir Mark Allen, também entrou para a BP depois de deixar o serviço governamental, ajudando a empresa a negociar um contrato de perfuração de petróleo de 15 mil milhões de libras com Muammar Kadhafi, o então ditador líbio. Allen tinha desenvolvido uma relação com o regime de Kadhafi quando estava no MI6.

A porta giratória sempre a girar

A porta giratória entre o MI6 e o governo britânico não pára de rodar. Os altos funcionários que se tornaram conselheiros da BP incluem o General Nick Houghton, o antigo chefe do estado-maior da defesa, e Lord George Robertson, o antigo secretário da defesa do Partido Trabalhista que se tornou secretário-geral da NATO.

Mas a porta também gira no sentido inverso, o que significa que os funcionários da BP podem entrar para o governo. John Manzoni, que trabalhou 24 anos na BP, incluindo no seu conselho de administração, antes de se tornar secretário permanente do Gabinete do Governo - um dos funcionários públicos mais importantes do Reino Unido - e diretor executivo da Função Pública de 2014 a 2020. Dois diretores executivos da BP, Bernard Looney e Bob Dudley, fizeram recentemente parte do Conselho Empresarial e do Grupo Consultivo Empresarial de Boris Johnson e David Cameron, respetivamente.

No Partido Trabalhista, as coisas não são muito diferentes. Poucos dias após a vitória de Blair nas eleições de 1997, o antigo presidente da BP, Sir David Simon, foi nobilitado e nomeado ministro do Comércio.

Os destacamentos são outra forma de estabelecer ligações estreitas. Por exemplo, Simon Collis, que veio a tornar-se embaixador britânico na Arábia Saudita, Iraque, Síria e Qatar, foi destacado para a BP entre postos diplomáticos anteriores na Jordânia e nos Emirados Árabes Unidos. Nesse cargo, foi responsável pelas relações políticas e governamentais da BP no Médio Oriente.

Consequências

A promoção da BP pelo Reino Unido tem consequências importantes. A empresa, que opera em mais de 60 países, está entre as quatro empresas mundiais responsáveis por mais de 10% das emissões mundiais de carbono desde 1965 (as outras três são a Shell, a Chevron e a Exxon). O movimento Global Justice Now estima que o impacto da BP nas alterações climáticas pode custar aos países do Sul o valor astronómico de 1,56 biliões de dólares.

Em 2022, a BP obteve o maior lucro (32 mil milhões de libras) desde há mais de um século, numa altura em que as faturas de energia do consumidor britânico sobem e aumentam as exigências de imposição de mais impostos à empresa. A empresa afirma estar a fazer uma transição para a energia verde, mas continua a investir muito mais em combustíveis fósseis.

Num inquérito recente, o público britânico considerou as alterações climáticas como a principal ameaça à segurança que enfrentamos. Isto significa que a BP desempenha um papel fundamental na colocação em perigo da vida dos britânicos e do público mundial.

Guerras, golpes de Estado, ditaduras e alterações climáticas são consequências da promoção da BP por parte do Governo britânico. Atualmente, o governo britânico está a agir de forma errada - deveria estar a sancionar e a censurar o seu parceiro petrolífero de longa data, e não a dar-lhe poder e a ser conivente com ele.

MARK CURTIS, Declassified UK.

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