quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Bico calado

  • «A cúpula do ministério ucraniano do Interior, ministro e secretário de Estado, não tem por hábito morrer em trágicos 'acidentes' de helicóptero - mas, quando o faz, se o faz, a data é escolhida com critério.  A triste ocorrência deu-se há cinco dias. Dois antes, Butusov, um dos principais propagandistas militares de Kiev, lançara duras críticas ao exército e ao presidente. Um depois, Arestovych, conselheiro de Zelenskiy decidiu pedir a exoneração. Do dia para a noite, passou da fé inabalável na vitória ucraniana para, agora, dizê-la 'extremamente improvável' (sic). A dança de cadeiras intensifica-se a cada dia. Ontem, os governadores de Zaporozhye, Dnipro, Kherson e Sumy foram exonerados. O vice-chefe de gabinete de Zelensky, Tymoshenko, apresentou igualmente a demissão. O vice-procurador-geral, Simonenko, seguiu igual caminho há pouco mais de um dia. O vice-ministro das infraestruturas foi afastado do lugar. O Ministro da Defesa está sob investigação, anunciada ante-ontem, por ‘corrupção'. O presidente ucraniano anunciou ontem, por fim, a proibição de viagens ao exterior por detentores de cargos públicos - oficialmente, para 'turismo' e outros objectivos 'não-governamentais'; provavelmente, para evitar fugas.  O que se passa? Não sabemos nem podemos saber; a neblina da guerra desce sobre todos os conflitos, e a que nos oculta a realidade ucraniana, tendo a conivência paga de toda a comunicação social, é especialmente espessa. Mas talvez almas perspicazes possam ver uma certa coerência nos eventos dos últimos dias. Talvez, até, alguns acabem a levantar a hipótese de que o 'acidente' sofrido pelo ministro do Interior - o responsável directo pelos 90000 homens da Guarda Nacional, pelos 60000 do Serviço de Fronteiras e pelos 120000 da Polícia -, ocorrida dias antes de uma purga generalizada do aparelho governamental, não tenha sido tão acidental assim. Um ano de guerra é sempre coisa dura; um ano de guerra com a Rússia é-o ainda mais. Centenas de milhares de milhões de dólares ocidentais tapam buracos, mas não ganham guerras. E, como disse Hemingway em 'The Sun Also Rises', as falências, como as derrotas em campo de batalha e as implosões políticas, vêm 'gradually, then suddenly'.» Rafael Pinto Borges, Um golpe de Estado em Kiev?
  • Relação da África do Sul com a Rússia preocupa comunidade portuguesa. Raul Caires, Jornal da Madeira 24jan2023.

  • «Na altura [George] Erskine [comandante chefe do Comando da África Oriental] estava a regressar da Operação Anvil em maio de 1954, o Quénia ia no bom caminho para criar o maior arquipélago de campos de detenção e prisão da história do império britânico. Para [Evelyn] Baring [governador do Quénia], todos os suspeitos Mau Mau "são um tipo que, numa noutra forma de ação, seriam prisioneiros de guerra" e, portanto, protegidos ao abrigo das Convenções de Genebra recentemente assinadas. Ele, juntamente com Carruthers Johnson e o chefe do departamento penitenciário, John Lewis, foi responsável por todos os detidos atrás do arame. Inspirado no "sistema progressivo de fases" de detenção da Malásia, o Pipeline, como era chamado o conjunto de campos de trabalho do Quénia, tinha uma lógica que começou quando as equipas de interrogatório examinaram e classificaram os suspeitos utilizando, na altura, um sistema bem conhecido. Os "brancos" eram considerados limpos e repatriados para as reservas Kikuyu, os "cinzentos" eram mais cumpridores de juramentos e eram enviados pelo Pipeline para os campos de trabalho. Em teoria, os detidos trabalhavam voluntariamente num dos muitos projetos de obras públicas do Quénia, que incluía o canal de irrigação de trinta e sete milhas de comprimento em South Yatta que os detidos escavaram à mão. Quanto aos "negros", os funcionários rotulavam-nos de "núcleo duro" e enviavam-nos para os campos de detenção especiais onde foram forçados a trabalhar». Caroline Elkins, Legacy of Violence – a History of the British Empire. The Bodley Head/Penguin 2022, p 557.

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