sábado, 5 de novembro de 2022

Bico calado

  • «No próximo dia 20 começa no Catar o 22º Campeonato do Mundo de Futebol, envolvendo 32 selecções, entre as quais a nossa. (...) não é nenhuma honra, antes uma vergonha, participar neste Mundial. Não sei se a nossa Federação de Futebol fez parte das que votaram contra o Mundial no Catar, das que votaram em consciência a favor ou daquelas cujos dirigentes se deixaram comprar para votar a favor. Espero bem que não tenha sido a última hipótese, mas todas são possíveis, pois só através da corrupção do colégio eleitoral — em grande parte provada — foi possível atribuir o Mundial a um país que, por razões climáticas, é forçado a organizá-lo pela primeira vez no Outono do Hemisfério Norte, forçando a alteração dos calendários estabelecidos na Europa para as provas nacionais e internacionais. Um país cujos nacionais se estão nas tintas para o futebol e cuja selecção (classificada no ranking da FIFA em 102º lugar e com o recurso a 17 estrangeiros em 23 jogadores) jamais conseguiria, não sendo anfitriã, apurar-se para um Mundial. (...) o Catar tem sido alvo de um rol de críticas relativas à forma como conseguiu pôr de pé este Mundial e, designadamente, construir de raiz 10 estádios, que, a seguir ao evento, não servirão para nada, num país em que não há memória de um jogo de futebol alguma vez ter tido mais do que mil espectadores num estádio. (...) Claro que foram estes homens que o regime empregou para construir os estádios e tudo o mais, trabalhando oito a 12 horas por dia, seis dias por semana, debaixo de temperaturas extremas e em condições iguais aos que nós contratamos para as estufas de Odemira ou os olivais e amendoais do Alqueva: entregues à protecção de um kafala, com o passaporte retido, amontoados como gado, sem quaisquer direitos sindicais ou sociais. 6500 deles morreram a construir os 10 estádios onde as vedetas e os seleccionadores pagos a peso de ouro e especializados na fuga aos impostos se vão exibir para o mundo inteiro, não se esquecendo de cantar os respectivos hinos a plenos pulmões para que o povo em casa ou nas bancadas pense que eles se batem pela pátria. (...) Tudo isto, claro, é feito à custa de uma overdose de jogos absurda e de uma exploração extrema do esforço dos jogadores. Mas os grandes jogadores aceitam porque também a eles só uma coisa verdadeiramente lhes interessa: o dinheiro. Já alguém viu um jogador de futebol, nas imensas viagens que faz ou nos intermináveis estágios em que tem de permanecer, ocupado a ler um livro ou um jornal que não seja desportivo? Já alguém o viu de visita a um museu, um monumento, umas ruínas históricas? Não, ocupam todos os tempos livres a jogar futebol na PlayStation, a postar imagens das férias no Instagram ou a debitar banalidades para os seguidores no Facebook. E tudo isto, claro, alimenta-se do terceiro factor: o público. No dia em que não houver público nos estádios o futebol definhará até morrer, como se viu durante a covid. E é uma pena se o que nos leva ao estádio, seja tanto a beleza do jogo como a descarga de adrenalina e tudo o mais que precisamos de descarregar e que um jogo de futebol permite como poucas coisas mais, não seja também uma oportunidade para descarregar contra todo o universo sujo escondido por detrás do jogo. Se os espectadores soubessem (se os jornalistas desportivos lhes contassem…) o luxo em que vivem e viajam os dirigentes dos clubes, das organizações de futebol, das federações, os agentes que chulam os clubes, os da UEFA e da FIFA, a riqueza que acumulam enquanto eles, espectadores, só gastam o seu dinheiro a manter o negócio milionário dos outros, talvez as coisas fossem diferentes. Se a multidão que enche os estádios com o seu amor à camisola (o único que é genuí­no) tivesse o mesmo espírito crítico para com jogadores e dirigentes — em matéria de corrupção, de fiscalidade, de negociatas — que tem para com os políticos, talvez o futebol fosse menos indecente. Ou, ao menos, mais envergonhado. Não estou a ver as opiniões públicas a engolir um prémio das Nações Unidas para os direitos humanos atribuído ao Catar.» Miguel Sousa Tavares.
  • Esmagadora maioria de países voltou a condenar embargo económico a Cuba  Só Israel votou contra, ao lado dos Estados Unidos da América. Brasil e Ucrânia abstiveram-se. O Mirante.

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