Bico calado
- «No próximo dia 20 começa no Catar o 22º Campeonato do
Mundo de Futebol, envolvendo 32 selecções, entre as quais a nossa. (...) não é nenhuma honra, antes uma
vergonha, participar neste Mundial. Não sei se a nossa Federação de
Futebol fez parte das que votaram contra o Mundial no Catar, das que votaram em
consciência a favor ou daquelas cujos dirigentes se deixaram comprar para votar
a favor. Espero bem que não tenha sido a última hipótese, mas todas são
possíveis, pois só através da corrupção do colégio eleitoral — em grande parte
provada — foi possível atribuir o Mundial a um país que, por razões climáticas,
é forçado a organizá-lo pela primeira vez no Outono do Hemisfério Norte,
forçando a alteração dos calendários estabelecidos na Europa para as provas
nacionais e internacionais. Um país cujos nacionais se estão nas tintas para o
futebol e cuja selecção (classificada no ranking da FIFA em 102º lugar e com o
recurso a 17 estrangeiros em 23 jogadores) jamais conseguiria, não sendo
anfitriã, apurar-se para um Mundial. (...) o Catar
tem sido alvo de um rol de críticas relativas à forma como conseguiu pôr de pé
este Mundial e, designadamente, construir de raiz 10 estádios, que, a seguir ao
evento, não servirão para nada, num país em que não há memória de um jogo de
futebol alguma vez ter tido mais do que mil espectadores num estádio. (...) Claro
que foram estes homens que o regime empregou para construir os estádios e tudo
o mais, trabalhando oito a 12 horas por dia, seis dias por semana, debaixo de
temperaturas extremas e em condições iguais aos que nós contratamos para as
estufas de Odemira ou os olivais e amendoais do Alqueva: entregues à protecção
de um kafala, com o passaporte retido, amontoados como gado, sem quaisquer
direitos sindicais ou sociais. 6500 deles morreram a construir os 10
estádios onde as vedetas e os seleccionadores pagos a peso de ouro e
especializados na fuga aos impostos se vão exibir para o mundo inteiro, não se
esquecendo de cantar os respectivos hinos a plenos pulmões para que o povo em
casa ou nas bancadas pense que eles se batem pela pátria. (...) Tudo
isto, claro, é feito à custa de uma overdose de jogos absurda e de uma
exploração extrema do esforço dos jogadores. Mas os grandes jogadores aceitam
porque também a eles só uma coisa verdadeiramente lhes interessa: o dinheiro.
Já alguém viu um jogador de futebol, nas imensas viagens que faz ou nos
intermináveis estágios em que tem de permanecer, ocupado a ler um livro ou um
jornal que não seja desportivo? Já alguém o viu de visita a um museu, um
monumento, umas ruínas históricas? Não, ocupam todos os tempos livres a jogar
futebol na PlayStation, a postar imagens das férias no Instagram ou a debitar
banalidades para os seguidores no Facebook. E tudo isto, claro, alimenta-se do terceiro factor: o
público. No dia em que não houver público nos estádios o futebol definhará até
morrer, como se viu durante a covid. E é uma pena se o que nos leva ao estádio,
seja tanto a beleza do jogo como a descarga de adrenalina e tudo o mais que
precisamos de descarregar e que um jogo de futebol permite como poucas coisas
mais, não seja também uma oportunidade para descarregar contra todo o universo
sujo escondido por detrás do jogo. Se os espectadores soubessem (se os jornalistas
desportivos lhes contassem…) o luxo em que vivem e viajam os dirigentes dos
clubes, das organizações de futebol, das federações, os agentes que chulam os
clubes, os da UEFA e da FIFA, a riqueza que acumulam enquanto eles,
espectadores, só gastam o seu dinheiro a manter o negócio milionário dos
outros, talvez as coisas fossem diferentes. Se a multidão que enche os estádios com o seu amor à
camisola (o único que é genuíno) tivesse o mesmo espírito crítico para com
jogadores e dirigentes — em matéria de corrupção, de fiscalidade, de negociatas
— que tem para com os políticos, talvez o futebol fosse menos indecente. Ou, ao
menos, mais envergonhado. Não estou
a ver as opiniões públicas a engolir um prémio das Nações Unidas para os
direitos humanos atribuído ao Catar.» Miguel Sousa Tavares.
- Esmagadora maioria de países voltou a condenar embargo
económico a Cuba Só Israel votou contra, ao lado dos Estados Unidos da
América. Brasil e Ucrânia abstiveram-se. O Mirante.
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