«Sines e o Alentejo Litoral simbolizam boa parte do
desenvolvimento industrial capitalista em Portugal. Com o Porto de Sines, o terminal
de gás natural liquefeito (GNL), a refinaria dos produtos petrolíferos da
Petrogal, a refinaria de polímeros da Repsol e a ex-central termoeléctrica da
EDP, Sines tem estado no centro da indústria pesada. Com os investimentos
anunciados em hidrogénio, parques solares e centros de dados anuncia-se uma
viragem como centro de uma economia verde. Qual o estado do capitalismo fóssil
em Sines e que relação tem com os novos projectos de crescimento verde? É
possível ou viável um capitalismo sem caos climático? Um estudo de caso da
campanha Empregos para o Clima tenta responder.
Não há como falar sobre a economia de Portugal sem
falar de Sines. Sines é um dos centros económicos do Alentejo, e é vital para a
economia do Alentejo Litoral. O concelho de Sines representa 15% da população
desta região, mas tem cerca de 50% do volume de negócios de empresas e 50% do
valor acrescentado bruto. Sines é também o concelho mais poluente do país,
sendo responsável por 9% das emissões totais, cerca de 3,8 Mt C02eq (milhões de
toneladas de dióxido de carbono equivalente). No entanto apenas 0,13% da
população portuguesa habita neste concelho.
Até ao seu fecho, no início de 2021, a central
termoeléctrica de Sines era uma das infra-estruturas mais poluentes de
Portugal. Em 2019, com o seu fecho já no horizonte, foi responsável por 8% das
emissões, gerando 4,5% da energia primária portuguesa. (…)
O terminal de gás natural liquefeito recebe cerca de 5,5
mil milhões de metros cúbicos de gás por ano, equivalente a 90% do consumo português.
À queima deste gás estão associadas emissões de 10 Mt de CO2, cerca de 25% de
todas as emissões associadas à geração de calor e electricidade (incluindo nos
transportes e na indústria). A importação de gás fóssil tem vindo a aumentar
todos os anos, num caminho completamente oposto ao exigido pela transição
energética. Sines tem ainda refinarias de combustíveis e petroquímicas, como as
da Repsol e da Galp. Estas indústrias, maioritariamente a da Galp, são agora
responsáveis por 70% das emissões do concelho.
Não há como falar sobre transição energética em Portugal
sem falar de Sines, hoje no centro das discussões públicas por diversos
motivos. Em primeiro lugar, existe uma enorme quantidade de projectos em
discussão, que incluem produção, transformação e armazenamento de hidrogénio e
que estão interligados com a produção energética. Em segundo lugar, com a
guerra na Ucrânia o abastecimento de GNL como alternativa aos gasodutos
existentes entre Rússia e Europa implica uma maior ênfase no Terminal de GNL no
Porto de Sines. Em terceiro lugar, com a corrida ao lítio no Norte do país
colada à aposta do governo e da União Europeia nos carros eléctricos
individuais, a Galp divulgou um projecto de «refinaria de lítio» em
Sines, baseada em mineração nacional e importação. Por último, todos estes
projectos estão nitidamente ligados aos fundos europeus e ao Fundo para uma
Transição Justa da União Europeia, que vai financiar directamente 74 milhões de
euros de investimento em Sines.
Começando pelo hidrogénio, a Estratégia Nacional para o
Hidrogénio (EN-H2) previa um consórcio de hidrogénio verde, H2Sines, do qual,
entretanto, EDP, Galp e REN saíram. Talvez o consórcio mais consolidado de
momento seja o GreenH2Atlantic, que inclui EDP, Galp, Engie, Bondalti, Martifer,
Vestas e Efacec. A empresa coordenadora é a EDP Renováveis SA, sediada em
Espanha. O projecto prevê uma capacidade de produção de hidrogénio que chegaria
a 1 gigawatts (GW) até 2030, acompanhada por 1,5 GW de nova capacidade
renovável para alimentar a produção, ou seja, fotovoltaicos montados só para
produzir hidrogénio.
No caso do hidrogénio, o que se observa é um crescimento
verde colado à indústria fóssil e dirigido pelas empresas de combustíveis
fósseis. Este crescimento está desligado da transição energética, em vários
sentidos. Em primeiro lugar, a instalação de capacidade de gerar hidrogénio
está desligada dos planos de instalação da capacidade solar nos próximos anos,
não havendo uma coordenação directa entre ambos. Em segundo lugar, não existe
qualquer menção de contratação prioritária ou obrigatória dos trabalhadores
nestes projectos, que podem assim perder os seus empregos por causa dos
encerramentos. Em terceiro lugar, o uso previsto de hidrogénio não prioriza as
áreas em que esta tecnologia é essencial para a descarbonização da economia.
Em relação ao Porto de Sines, é de salientar dois
aspectos interligados. Por um lado, a EN-H2 prevê que, em 2030, o hidrogénio
deva cobrir 1,5-2% do consumo energético nacional e representar 10-15% do gás
injectado na rede nacional de gás. Ou seja, o Estado prevê que cerca de 90% do
gás na rede continue a ser de origem fóssil, com uma face «verde» justificada
pela presença do hidrogénio. Desta forma prolonga-se o tempo de vida de toda a
infra-estrutura, além de se fazerem novos investimentos que terão, também eles,
de ser amortizados, eternizando a dependência nacional da importação de gás
fóssil.
Por outro lado, com a guerra da Ucrânia, abriu-se na
União Europeia a discussão estratégica de «diversificação» das fontes de
energia, o que não significa apostar em fontes de energia renovável, e sim em
gás fóssil comprado a outros países que não a Rússia. O governo português
também insiste na aposta do Porto de Sines como possível porta de entrada de
gás para a Europa. Isto implicaria não só novos gasodutos em Portugal e
Espanha, como uma expansão do Terminal de GNL em Sines. A conexão entre o
hidrogénio e o Porto de Sines é o nosso primeiro exemplo empírico da simbiose
entre capitalismo verde e capitalismo fóssil. (…)»
Sinan Eden e Gonçalo Paulo, Le Monde Diplomatique.
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