sábado, 7 de maio de 2022

Reflexão - «Sines: centro do capitalismo fóssil, do capitalismo verde ou da transição justa?»

«Sines e o Alentejo Litoral simbolizam boa parte do desenvolvimento industrial capitalista em Portugal. Com o Porto de Sines, o terminal de gás natural liquefeito (GNL), a refinaria dos produtos petrolíferos da Petrogal, a refinaria de polímeros da Repsol e a ex-central termoeléctrica da EDP, Sines tem estado no centro da indústria pesada. Com os investimentos anunciados em hidrogénio, parques solares e centros de dados anuncia-se uma viragem como centro de uma economia verde. Qual o estado do capitalismo fóssil em Sines e que relação tem com os novos projectos de crescimento verde? É possível ou viável um capitalismo sem caos climático? Um estudo de caso da campanha Empregos para o Clima tenta responder.

Não há como falar sobre a economia de Portugal sem falar de Sines. Sines é um dos centros económicos do Alentejo, e é vital para a economia do Alentejo Litoral. O concelho de Sines representa 15% da população desta região, mas tem cerca de 50% do volume de negócios de empresas e 50% do valor acrescentado bruto. Sines é também o concelho mais poluente do país, sendo responsável por 9% das emissões totais, cerca de 3,8 Mt C02eq (milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente). No entanto apenas 0,13% da população portuguesa habita neste concelho.

Até ao seu fecho, no início de 2021, a central termoeléctrica de Sines era uma das infra-estruturas mais poluentes de Portugal. Em 2019, com o seu fecho já no horizonte, foi responsável por 8% das emissões, gerando 4,5% da energia primária portuguesa. (…)

O terminal de gás natural liquefeito recebe cerca de 5,5 mil milhões de metros cúbicos de gás por ano, equivalente a 90% do consumo português. À queima deste gás estão associadas emissões de 10 Mt de CO2, cerca de 25% de todas as emissões associadas à geração de calor e electricidade (incluindo nos transportes e na indústria). A importação de gás fóssil tem vindo a aumentar todos os anos, num caminho completamente oposto ao exigido pela transição energética. Sines tem ainda refinarias de combustíveis e petroquímicas, como as da Repsol e da Galp. Estas indústrias, maioritariamente a da Galp, são agora responsáveis por 70% das emissões do concelho.

Não há como falar sobre transição energética em Portugal sem falar de Sines, hoje no centro das discussões públicas por diversos motivos. Em primeiro lugar, existe uma enorme quantidade de projectos em discussão, que incluem produção, transformação e armazenamento de hidrogénio e que estão interligados com a produção energética. Em segundo lugar, com a guerra na Ucrânia o abastecimento de GNL como alternativa aos gasodutos existentes entre Rússia e Europa implica uma maior ênfase no Terminal de GNL no Porto de Sines. Em terceiro lugar, com a corrida ao lítio no Norte do país colada à aposta do governo e da União Europeia nos carros eléctricos individuais, a Galp divulgou um projecto de «refinaria de lítio» em Sines, baseada em mineração nacional e importação. Por último, todos estes projectos estão nitidamente ligados aos fundos europeus e ao Fundo para uma Transição Justa da União Europeia, que vai financiar directamente 74 milhões de euros de investimento em Sines.

Começando pelo hidrogénio, a Estratégia Nacional para o Hidrogénio (EN-H2) previa um consórcio de hidrogénio verde, H2Sines, do qual, entretanto, EDP, Galp e REN saíram. Talvez o consórcio mais consolidado de momento seja o GreenH2Atlantic, que inclui EDP, Galp, Engie, Bondalti, Martifer, Vestas e Efacec. A empresa coordenadora é a EDP Renováveis SA, sediada em Espanha. O projecto prevê uma capacidade de produção de hidrogénio que chegaria a 1 gigawatts (GW) até 2030, acompanhada por 1,5 GW de nova capacidade renovável para alimentar a produção, ou seja, fotovoltaicos montados só para produzir hidrogénio.

No caso do hidrogénio, o que se observa é um crescimento verde colado à indústria fóssil e dirigido pelas empresas de combustíveis fósseis. Este crescimento está desligado da transição energética, em vários sentidos. Em primeiro lugar, a instalação de capacidade de gerar hidrogénio está desligada dos planos de instalação da capacidade solar nos próximos anos, não havendo uma coordenação directa entre ambos. Em segundo lugar, não existe qualquer menção de contratação prioritária ou obrigatória dos trabalhadores nestes projectos, que podem assim perder os seus empregos por causa dos encerramentos. Em terceiro lugar, o uso previsto de hidrogénio não prioriza as áreas em que esta tecnologia é essencial para a descarbonização da economia.

Em relação ao Porto de Sines, é de salientar dois aspectos interligados. Por um lado, a EN-H2 prevê que, em 2030, o hidrogénio deva cobrir 1,5-2% do consumo energético nacional e representar 10-15% do gás injectado na rede nacional de gás. Ou seja, o Estado prevê que cerca de 90% do gás na rede continue a ser de origem fóssil, com uma face «verde» justificada pela presença do hidrogénio. Desta forma prolonga-se o tempo de vida de toda a infra-estrutura, além de se fazerem novos investimentos que terão, também eles, de ser amortizados, eternizando a dependência nacional da importação de gás fóssil.

Por outro lado, com a guerra da Ucrânia, abriu-se na União Europeia a discussão estratégica de «diversificação» das fontes de energia, o que não significa apostar em fontes de energia renovável, e sim em gás fóssil comprado a outros países que não a Rússia. O governo português também insiste na aposta do Porto de Sines como possível porta de entrada de gás para a Europa. Isto implicaria não só novos gasodutos em Portugal e Espanha, como uma expansão do Terminal de GNL em Sines. A conexão entre o hidrogénio e o Porto de Sines é o nosso primeiro exemplo empírico da simbiose entre capitalismo verde e capitalismo fóssil. (…)»

Sinan Eden e Gonçalo Paulo, Le Monde Diplomatique.

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