domingo, 13 de fevereiro de 2022

Reflexão: Não há incentivos para reutilizar as águas que vão pelo cano abaixo nas casas portuguesas

«Portugal vai ter de se preparar para períodos de escassez de água cada vez mais frequentes e prolongados. Mas o país, que começou nos últimos anos a reutilizar águas residuais tratadas para necessidades públicas e até para a agricultura, está ainda muito atrasado quando se trata de reciclar e reutilizar boa parte da água consumida nas habitações e edifícios públicos e privados. Autarquias, empresas e famílias portuguesas poderiam reduzir substancialmente a quantidade de água potável que gastam mas o desconhecimento, o preço destes equipamentos face à tarifa da água e uma legislação que tarda em ser actualizada impedem o avanço de uma opção com impactos ambientais positivos evidentes.

Em 100 litros de água consumidos numa habitação, 60 a 70 litros usados em banhos, duches e lavatórios podem ser considerados águas cinzentas (assim designadas por terem menos sujidade que as negras, as dos sanitários, por exemplo). E há formas seguras de as tratar localmente, permitindo a sua reutilização para descargas de sanitas, limpezas gerais, rega e, dependendo da forma de tratamento, até para lavagem de roupa. Vários países já estabeleceram normas para o uso destes efluentes, que implicam que numa construção nova ou numa reabilitação se faça um projeto de encaminhamento deste efluente para um dispositivo de reciclagem onde ela é tratada, separando este fluxo de tratamento/reutilização do das águas negras, que vão diretamente para a rede de esgotos.

Com mais ou menos tecnologia incorporada, as soluções que nos permitiriam reduzir em cerca de 40% o consumo de água existem, há empresas nacionais que vendem e instalam “recicladores” de água para usos não potáveis, mas um equipamento destes nem sequer é elegível para os apoios do programa Edifícios+Sustentáveis, do Fundo Ambiental. Quem hoje decida instalar um designado sistema predial de reutilização e reciclagem de águas cinzentas (SPRAC) terá de arcar com a despesa por inteiro. Hotéis e empresas já começam a ver isto como um investimento com retorno mas, para as famílias, pagar quatro a cinco mil euros por um novo “eletrodoméstico” ainda é algo fora das cogitações, e dos bolsos, da esmagadora maioria.

O enquadramento legal não ajuda. Apesar de termos aprovado, em 2019, o Regime Jurídico de Produção de Água Para Reutilização, Obtida a Partir do Tratamento de Águas Residuais, na verdade, esta legislação reflete uma preocupação importante com o aproveitamento das águas das ETAR, e pouco se aponta, ali, para a descentralização de tratamento e consumo de águas cinzentas ao nível de cada habitação. (…)»

Abel Coentrão, Público 12fev2022. Via Agroportal.

Sem comentários: