sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Bico calado

  • Académica de Espinho acusada de negociar terreno que já estava vendido. Em junho de 2020, Henrique Eichmann assinou com a direção do clube espinhense, em nome da OpulentPotential, um contrato-promessa de compra e venda. O objetivo era construir um condomínio privado, de luxo, com a assinatura do arquiteto Diogo Lacerda. Um ano depois, o terreno foi vendido a outra entidade. O empresário de Esmoriz acusa o clube de só ter informado os sócios sobre a alteração do negócio meses depois de consumar a escritura e já avançou com pedido de indemnização. A Académica defende que quem quebrou as condições do acordo foi Eichmann. A Académica de Espinho pretendia acordar a venda do terreno por 1 milhão e 375 mil euros como forma de custear a renovação e ampliação do seu pavilhão desportivo, havendo uma série de condições que deviam ser cumpridas antes da consumação da escritura. Um desses requisitos era a necessidade do contrato ser aprovado em Assembleia Geral do clube, que foi concretizado no mês seguinte, a 17 de julho, iniciando-se nesse dia o prazo de um ano para a Académica agendar a escritura, devendo o clube comunicar a Eichmann a data e a hora da celebração do acordo com uma antecedência de, pelo menos, 15 dias. Estipulava também no contrato a exigência de pagamento de dois sinais antes da realização da escritura. O primeiro, de 12 mil euros, a ser pago no prazo de três dias após a notificação da Académica sobre a aprovação do documento em Assembleia Geral, que foi efetuado por Henrique a 5 de agosto. O segundo sinal, com o mesmo valor, deveria ser pago no prazo de meio ano a contar dessa data, tendo sido também realizado em janeiro de 2021, enquanto o valor restante devia ser entregue pelo comprador no ato da escritura. Estava definido ainda que, caso a entidade compradora não cumprisse o contrato, o clube teria direito a "fazer seu os valores recebidos a título de sinal". Caso fosse a Académica a não cumprir com os requisitos do documento, a OpulentPotential teria direito a ser indemnizada com "o dobro do valor correspondente ao sinal prestado". Outra das condições do contrato era o reconhecimento por parte da Câmara Municipal de Espinho de uma capacidade edificativa no terreno de, "pelo menos, 13 116 m2", podendo a entidade compradora celebrar o contrato mesmo com a não aprovação do parecer, tendo para tal que comunicar à entidade vendedora essa intenção. O parecer da Câmara foi divulgado no início de 2021, tendo sido atribuído ao terreno uma capacidade edificativa de 7 440 metros quadrados. Apesar do valor ser inferior ao estipulado no contrato, Henrique defende que a capacidade atribuída era suficiente para se manter interessado no negócio. "O valor que está no contrato foi colocado por mim, para me defender. Já tinha falado com o presidente da Académica sobre isso e ele sabia que, mesmo que fosse só seis mil metros quadrados, estava bom para mim. Quando o parecer foi aprovado eu pedi ao arquiteto para fazer o projeto com sete mil metros para submeter à Câmara", garante Eichmann, referindo que não o fez de imediato devido à proximidade das eleições autárquicas. "Aconselharam-me a não colocar logo o projeto porque ia ficar encostado a meio de um ano de eleições", disse. É quando o prazo para a escritura se aproxima do limite que Henrique Eichmann começa a ficar preocupado. "Umas semanas antes do fim do prazo, o José Lacerda liga-me para saber como estava a questão do terreno, dizendo-me que teve uma oferta de mais 600 mil euros. Eu disse-lhe que o terreno era meu e que não estava à venda. Até à data ele tinha tido um comportamento exemplar comigo e fez esse pedido do nada. Fiquei com dúvidas sobre o que ele queria e o meu advogado aconselhou-me a estar atento", afirmou. Segundo o empresário, a partir desse dia começa a tornar-se complicado chegar à fala com o presidente da Académica. No dia 7 de julho, Henrique decidiu enviar ao clube espinhense um "sinal" de 351 mil euros através de duas transferências, uma de 200 mil euros e outra de 151 mil, valores que lhe foram devolvidos. Para além da devolução do dinheiro, José Lacerda responde por email a Henrique Eichmann, justificando a devolução do pagamento por este não estar previsto no contrato e afirmando que ainda faltava a comunicação por parte do empresário sobre o parecer da Câmara relativo à capacidade edificativa. Ainda nesse dia, Henrique Eichmann responde mostrando vontade em celebrar o contrato. Na semana seguinte, mais propriamente a 14 de julho, a Académica de Espinho apresentou a Henrique Eichmann a resolução do contrato-promessa, fundamentando que não foi comunicada qualquer intenção de o manter por parte deste. Por carta registada, o clube alega que Henrique estaria a comercializar o terreno "de forma pública e ostensiva, oferendo-o no mercado sem qualquer tipo de reserva, de tal forma que a própria Académica veio a ser sucessivamente interpelada por diversos agentes do mercado no sentido de obtenção de informações sobre a situação jurídica do dito prédio e respetivo valor de venda". A missiva refere ainda um pedido de "eventual indemnização pelos danos reputacionais entretanto causados por vossas excelências e que a Académica liquidará em tempo devido". Relativamente à acusação de que teria colocado o terreno à venda, Henrique Eichmann responde que "não é verdade" e que já tinha um parceiro definido para o negócio. "Como não tenho dinheiro para a construção arranjei um parceiro, com a condição de o terreno pertencer à OpulentPotential. O meu parceiro só iria entrar no negócio a seguir à escritura e não existia qualquer proibição de eu vender uma coisa minha. Nem sequer deviam estar preocupados com o que vou ganhar a seguir. O que eles querem é justificar o erro deles", considerou. Sobre a acusação de não ter havido uma comunicação sobre o parecer da capacidade edificativa do terreno, o empresário garante que o presidente da Académica sabia do interesse dele e que havia informações sobre a revisão do Plano Diretor Municipal que poderiam alterar o valor desse parecer. "Hoje já é possível construir mais do que aquilo que tinha sido aprovado e o acordado era que, mais à frente, resolveríamos esse problema", alega. Além disso, Eichmann relembra que os 24 mil euros que entregou a título de sinal não foram devolvidos. No dia seguinte à comunicação da Académica, entra no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro uma providência cautelar levantada por Henrique Eichmann sobre o terreno em causa. É a partir daí que Eichmann diz ter ficado a saber que o terreno já não pertencia à Académica. O clube já tinha encetado negociações com uma outra entidade, a Champions Castle, empresa de compra e venda de imóveis sediada em Matosinhos, tendo o terreno sido vendido por 1 milhão e 975 mil euros. De acordo com o empresário, a escritura do negócio envolveu a venda do terreno em troca de dois contratos de empreitada, que iriam ser celebrados com a empresa Tecnifeira - Engenharia e construção, também de Matosinhos, sendo esta entidade o intermediário que assumiria a dívida da Champions Castle. Os contratos de empreitada tinham em vista as obras de renovação do pavilhão desportivo, bem como de construção do campo de hóquei em campo junto ao Parque da Cidade de Espinho. "O pior dos piores é que venderam o terreno sem receber nenhum dinheiro e ainda o hipotecaram, porque essa entidade comprometia-se a fazer as obras no pavilhão da Académica e à revelia dos sócios. Há aqui, no fundo, uma vigarice de todo o tamanho e temos matéria para pedir a anulação desse negócio com pedido de indemnização", entende o empresário de 55 anos, que já avançou com uma ação judicial. Só dois meses depois, a 23 de setembro, é que a Académica de Espinho apresenta aos sócios, em Assembleia Geral, a ratificação do contrato do terreno, cujo negócio foi aprovado por unanimidade. "Fazem a Assembleia muito mais tarde, para terem autorização daquilo que já tinham feito. Foi tudo feito em cima do joelho e sem ninguém saber", acusa Henrique Eichmann. José Pedro Ribeiro, DE 30dez2021.
  • 16 mapas de que os norte-americanos não gostam de falar. Max Fisher, Vox.

Sem comentários: