No domingo foram mortos 1.428 mamíferos marinhos como
parte da tradição "Grind" das ilhas. Por mais emotivas que sejam
estas cenas das Ilhas Faroé, e por mais feroz que seja a reacção do público e
dos media a estas cenas, há contextos culturais profundos para este abate.
Ainda há muitas narrativas de caça indígena, desde o
Alasca às ilhas ao largo da Indonésia e nas Caraíbas. Em Taiji, na costa
sudeste do Japão, a caça anual ao golfinho começou a 1 de Setembro,
convenientemente depois dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos deste ano de modo a
evitar possíveis ações de boicote.
Mas talvez o incidente das Ilhas Faroé tenha tido mais
impacto porque as ilhas parecem estar sob a nossa alçada, geograficamente
demasiado próximas, demasiado "europeias"? De facto, as Ilhas Faroé,
apesar de pertencerem ao reino da Dinamarca, colocaram-se para além dos limites
da UE. Não acharam que fosse do seu interesse fazer parte desse projecto.
Nós, humanos, estabelecemos limites arbitrários nas nossas hipocrisias e projetos diários. Necessariamente. Aves selvagens abatidas sobre as margens do Mediterrâneo ou cães abandonados provocam tristeza. Mas todos os dias, a cada minuto, abatemos inúmeros animais para obter alimento. Consumimos animais como unidades sem pensar. Que diferença fará se mil ou mais golfinhos tiverem de morrer?
Será por causa do nosso antropomorfismo implacável, que
projetamos o nosso físico ou nos idealizamos sobre os animais? Quando é que os
animais selvagens se tornam nossos animais de estimação? Os golfinhos aparecem
como nossos eus alternativos: aperfeiçoados, versões paradisíacas, humanóides
antediluvianos. Inocentes, que abandonaram a terra antes de a estragarmos,
descuidando-se no mar, livres das nossas necessidades.
Que queremos que eles sejam? Artistas em golfinários,
prisioneiros do nosso entretenimento, pagos em peixes para desempenhar um
papel? Todos os anos milhões de turistas pagam por este prazer - a dor de
milhares desses animais mantidos em confinamento em todo o mundo, da China à
Europa e aos EUA - é ignorada. Animais que possuem cultura são assimilados à
nossa cultura. É o seu destino, e o nosso, mesmo quando nos apercebemos de que
precisamos de nos referir a eles como um "quem", não um quê; como
indivíduos, não como uma massa coletiva de alteridade.
E se não podemos chorar por outras espécies, como é que
se pode esperar que choremos por nós próprios?»
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