sexta-feira, 18 de junho de 2021

Bico calado

  • «(…) o que alicerça a degradação da linguagem, poluindo a política para esvaziar os espaços de conversação e de enunciado de posições e propostas, é uma combinação entre a concorrência feroz à direita (…) e o predomínio de novos modos de comunicação que são impulsionadores da necropolítica. A mudança que as redes sociais produzem não é a difusão dos memes ou o uso do sarcasmo (…) o seu efeito é, antes, a intoxicação intensa. A linguagem é usada neste terreno para uma função predominante: a blindagem, ou seja, para deixar de comunicar, para se tornar opaca e intraduzível, para fechar os seus seguidores numa redoma inexpugnável, protegida por barreiras de ódio. Isso é possível precisamente porque vivemos em hipercomunicação, com o ecrã a colonizar muitas horas do nosso dia, e porque a sociabilidade passou a ser esta forma de encriptação que cria símbolos, ícones e liturgias na gritaria, forjando identidades fictícias e obediências sectárias. Quanto mais comunicante for a incomunicabilidade, maior o seu sucesso. É por isso que a figura típica deste mundo é o bufão. E o bufão é quem, para aplicar o poema de Fernando Pessoa, vai no comboio descendente à gargalhada, criando um espetáculo em que vão “uns por verem rir os outros/ E os outros sem ser por nada”, “uns calados para os outros/E os outros a dar-lhes trela/(…) Mas que grande reinação”. (…)» Francisco Louçã, Expresso 15jun2021.
  • Há 3 anos que, semanalmente, a Ed Newsfeed, membro do lóbi da privatização das escolas, American Federation for Children, tem produzido e distribuído segmentos de notícias falsas pelos media locais. As estações transmitem frequentemente os segmentos tal como os recebem, permitindo que as âncoras recitem os guiões de acompanhamento palavra por palavra. O conteúdo transmitido não inclui a divulgação de que foi produzido pelo grupo de defesa da educação. Rachel M. Cohen, TheIntercept.

  • «(…) E o que vivi nos poucos dias em que estive na Palestina foi um clima constante de tensão. (…) Um lugar rodeado de colonatos israelitas, a crescer como cogumelos todos os dias. Nem sei como lá cheguei, depois de uns quilómetros a pé, de mochila às costas, porque os taxistas não entram na Palestina. Todos os dias, pela manhã, tínhamos os drones a dar os bons dias. Houve noites em que se ouviam gritos, sirenes e helicópteros. Ninguém sabia ser exato no porquê. Depois já nem perguntávamos. Como também não havia palavras para devolver a uma criança que nos diz que os militares entraram e revistaram a sua casa na noite anterior (…) E nesses dias no West Bank, a partir de um lugar onde a primeira coisa que me contaram foi que dali costumava ser possível ver os rockets, contei cada gota de água da chuva que gastei para tomar banho, acumulada em grandes tanques nos telhados, porque os israelitas não deixavam que ali chegasse água canalizada. Percorri longos metros de terreno vazio onde antes se erguiam as cerca de 300 árvores derrubadas num só dia e vi como ali se reconstrói sempre tudo, todos os dias. Vivi assim 15 dias, não a vida toda. (…) É um novo apartheid, uma ocupação e, quando os bombardeamento param, uma espécie de guerra fria que não permite passos em falso. Desta vez, com a mais sofisticada tecnologia bélica ao serviço e todos nós a branquear esta democracia distópica. Para os palestinianos, ali não há queixar-se, contornar, deixar a memória apagar e voltar ao normal. Aquilo não é normal.» Cláudia Brandão, Não é conflito. É ocupação. Porque ainda pesa a palavra Apartheid. – Defesa de Espinho 17jun2021.
  • «O transporte de escravos elevou Bristol, sede de estaleiros, à categoria da segunda cidade de Inglaterra e transformou Liverpool no maior porto do mundo. Os navios partiram com os seus porões carregados de armas, tecidos, genebra, rum, bugigangas e vidros coloridos, que seriam um meio de pagamento para a mercadoria humana de África, que por sua vez pagaria o açúcar, o café e o cacau das plantações coloniais da América.» Eduardo Galeano, As veias abertas da América Latina (1971) – Antígona 2017.

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